Postado em jul. de 2018
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Leandro Karnal: Por que nunca chegaremos à verdade
É possível atingir uma verdade pura acima de nossas experiências pessoais ou estamos condenados à parcialidade? Leandro Karnal reflete sobre um dos mais fascinantes debates sobre os limites do pensamento.
É possível atingir uma verdade pura, acima de nossas experiências pessoais? Estamos condenados à parcialidade da nossa história individual? Um dos mais fascinantes e antigos debates sobre os limites e as possibilidades do pensamento são alvo da reflexão de Leandro Karnal.
Karnal dispensa apresentações no Brasil. Um dos mais populares intelectuais do país, ele sempre lota seus eventos, levando ao público os mais diversos temas - da ética à vaidade, passando por empreendedorismo e planejamento estratégico. Com um repertório de argumentos e interesses que o aproximam de audiências das mais heterogêneas, Karnal ficou conhecido por trazer a história de volta ao debate cotidiano.
Em Salvador, o Fronteiras do Pensamento promove um evento inédito e exclusivo, que acontece no dia 17 de setembro: Leandro Karnal senta frente a frente com o filósofo francês Gilles Lipovetsky para um grande debate sobre quem somos e para onde estamos caminhando enquanto sociedade e enquanto humanidade. Clique aqui para saber tudo sobre a série de conferências na capital baiana.
Leandro Karnal: Por que nunca chegaremos à verdade
Eu não acredito na transparência do olhar sobre mim ou sobre os outros. O olhar puro e transparente pressupõe uma essência e uma capacidade que eu acredito que não sejamos portadores. Eu não poderia olhar para mim, porque não tenho uma essência e nem sou permanentemente algo. Eu sou uma soma de muitas coisas e posso ter, sobre mim, opiniões muito variadas e distintas.
Uma fábula indiana de que gosto muitíssimo narra que quatro cegos se aproximam de um elefante. O primeiro cego, que nunca tinha visto um elefante diz, ao apalpar seu abdômen, que ele se parece com uma parede. Outro cego diz que ele se parece com uma corda, ao apalpar sua cauda. O terceiro diz que ele se parece com quatro colunas, ao apalpar suas pernas, e o último cego diz que o elefante se parece com uma espada, ao apalpar o marfim. Todos os quatro têm razão e todos eles deram uma visão parcial do elefante. A verdade não é a soma dos quatro, porque o elefante não é uma parede, corda, colunas e espada: é algo ainda além disso.
Eu não acredito na transparência. Porém, não acredito também que estamos condenados ao olhar opaco. Ao defender que não existe o olhar opaco, quero dizer que não estamos condenados ao narciso permanente de nós mesmos num espelho, como uma velha que pergunta ao espelho se haverá alguém mais bela do que ela, e que só aceita uma resposta ou ameaça quebrar o espelho, caso a resposta não seja aquela.
Eu não acredito na transparência e nem na opacidade do olhar. Eu acredito que o exercício crítico, a filosofia, a psicanálise, a história, a antropologia, a sabedoria, a idade, a experiência, a dor – todas essas coisas podem tornar o meu olhar cada vez mais translúcido.
Cada vez mais eu olho para os outros, mas nunca os verei. Cada vez mais eu olho para mim, mas nunca captarei, pois sempre me falta a experiência totalizadora, a última, a absoluta - que é morrer. Logo, nunca terei domínio de tudo, por que não sei ainda como é morrer.
Como diz Woody Allen: “Não tenho nada contra a morte. Só não gostaria de estar presente.”
Há a ideia de que a morte é a dor, mas, na verdade, é o último grande aprendizado. Padre Vieira diz que a morte é o espaço entre duas portas de diamante e que eu não posso retroceder diante delas, só avançar. Logo, o medo é natural.
Todos falam de uma angústia em quem está morrendo, em uma vontade de estar acompanhado, mas, ninguém vai conosco. Mesmo que seja um avião caindo, mesmo que seja a pessoa que está do meu lado caindo, ela não vai comigo para o mesmo lugar. Eu não sei para onde ela vai e não sei para onde ninguém vai. O resultado é que este aprendizado é o mais doloroso, mas, é mais uma etapa de tornar o opaco translúcido.
Desejar a utopia como transparência, rejeitar como autismo ontológico a opacidade, e aceitar como realidade subjetiva o translúcido são, hoje, as minhas crenças aos 50 anos. É um pouco complexo traduzir assim, mas, é a ideia de que, sim, é possível ver.
Digo isso por que há pessoas que eu conheço que se veem mais do que outras. E há pessoas que têm uma ideia de si inteiramente equivocada, entendendo como equívoco uma ideia única da pessoa sobre si, não compartilhada por mais ninguém ao redor dela. Convivi a vida inteira com alunos, professores e colegas que têm de si uma ideia inteiramente diferente do que os outros pensam dessa pessoa, mas, isso não quer dizer que a pessoa esteja errada, porque ela sozinha pode estar correta e o mundo pode estar errado.
Volto à velha ideia do homem que, andando na contramão numa estrada, vê todos buzinando para ele e ouve no rádio que há um louco andando na contramão, e ele diz: um não, milhares de loucos andando na contramão. Provavelmente, este homem, além de sua falta de senso de direção, é uma pessoa autocentrada e feliz.
CONHEÇA OS CONFERENCISTAS E AS DATAS DO FRONTEIRAS BRASKEM DO PENSAMENTO
Conferência José Eduardo Agualusa 01 agosto (quarta-feira)
Debate Especial Gilles Lipovetsky e Leandro Karnal 17 setembro (segunda-feira)
Conferência Marcelo Gleiser 15 outubro (segunda-feira)
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JOSÉ EDUARDO AGUALUSA 01 de agosto
José Eduardo Agualusa é conhecido por reunir realidade e ficção em tramas que ora denunciam questões sociais ora celebram a capacidade humana de inventar universos. Ele faz de suas obras portas para a liberdade de expressão - e de transformação -, convidando seus leitores a resistirem frente à realidade e insistirem no sonho de uma nova vida. Agualusa vem ao Fronteiras nos trazer importantes lições para os brasileiros de hoje: reaprender a acreditar e a lutar por profundas transformações.
DEBATE ESPECIAL: GILLES LIPOVETSKY E LEANDRO KARNAL 17 setembro
Filósofo francês, Gilles Lipovetsky tem a habilidade de tornar visíveis as relações entre diversos fenômenos da atualidade, abrindo ramificações que investigam temas fundamentais, como a decadência das tradições que antes guiavam nossas vidas, o desencantamento por ideologias políticas e o culto ao prazer e à felicidade imediatos. Tudo isso é abordado em suas reflexões, sem deixar de lado os aspectos emocionais que surgem da hipermodernidade: a solidão, o sentimento de vazio, a ansiedade e a depressão são problemas que o pensador atribui ao nosso tempo.
Um dos mais populares intelectuais do Brasil, o historiador Leandro Karnal é presença frequente na televisão, nas rádios, revistas e jornais. Nas mídias sociais, vídeos de palestras do pesquisador e professor da Unicamp são viralizados e suas análises são compartilhadas por milhares de pessoas. Karnal combina sagacidade e bom humor para estimular brasileiros a refletirem sobre temas cruciais para a compreensão da realidade do país e para o conhecimento do ser humano.
Leandro Karnal se une a Gilles Lipovetsky neste grande debate sobre quem somos atualmente e para onde estamos caminhando enquanto sociedade brasileira e enquanto humanidade.
MARCELO GLEISER 15 outubro
Marcelo Gleiser mostra como as mais complexas teorias sobre o universo estão interligadas ao nosso cotidiano. Sua postura congregadora reúne diversas áreas do conhecimento e faz desse brasileiro um dos principais intelectuais públicos do país, responsável por muitos dos vídeos mais assistidos do Fronteiras.
Marcelo Gleiser encerra o Fronteiras Salvador mostrando como, apesar das aparentes diferenças, somos todos movidos pelas mesmas forças e questionamentos.
Leandro Karnal
Historiador e escritor