Postado em jun. de 2019
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Roger Scruton: o papel da beleza e do amor no sentido de vida
Conservadorismo. Beleza. Sentido de vida. Scruton toca nos temas mais fundamentais do seu pensamento nesta entrevista.
Roger Scruton é autor de obras sobre filosofia, política e estética. Professor na Inglaterra e nos Estados Unidos, Scruton é um dos expoentes do pensamento conservador contemporâneo.
Mas... O que é conservadorismo? O termo, com difícil apreensão, é um dos temas desta recente entrevista com o pensador, que define conservadorismo com uma analogia interessante: é como uma relação com nossos pais – reconhecemos que há questões a serem melhoradas, mas a base fundamental é um amor compartilhado.
Da mesma forma, devemos nos relacionar com o mundo que nos abriga, explica Scruton.
Não ser dominado pelas forças naturais que clamam apenas por destruição e alcançar uma harmonia com as forças de manutenção, aquelas que nos mostrarão como há beleza naquilo que vivemos.
Este reconhecimento apreciativo é a base desta entrevista com Scruton, conferencista do Fronteiras do Pensamento desta semana (01, POA; 03, SP).
Garanta sua presença nas conferências deste ano. Além de Scruton, o Fronteiras do Pensamento Porto Alegre ainda receberá o Nobel da Paz Denis Mukwege, Janna Levin, Werner Herzog, Contardo Calligaris e Luc Ferry.
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Confira abaixo a entrevista de Scruton, concedida à escritora e filósofa norte-americana Christina Hoff Sommers.
Roger Scruton: o papel da beleza e do amor no sentido de vida
Christina Hoff Sommers: Para as novas gerações, que podem estar em instituições de ensino onde o conservadorismo foi denegrido ou simplesmente não representado, como você define o conservadorismo e quais são suas virtudes?
Roger Scruton: É o trabalho da minha vida definir o conservadorismo. Em certo ponto, percebi que eu era um conservador sem saber o que isso significava.
Em Maio de 68, em Paris, vi todos os estudantes protestando em favor de essencialmente nada. Eles não sabiam o que queriam, sabiam apenas aquilo ao que eram contra. Percebi que era absurdo que eles fossem ouvidos.
Se os sentimentos das pessoas são puramente negativos, se são definidos em termos daquilo que não gostam ou até mesmo odeiam, então estas pessoas têm a obrigação de descobrirem algo que amam.
Então, olhei à volta de mim mesmo, buscando coisas que eu amava. Decidi que eram coisas que eu já tinha: era a civilização, eram as leis, era a habilidade de fechar uma porta e se sentir seguro atrás dela.
Eram coisas que não valorizamos. Eram coisas que estavam sendo ameaçadas por esses estudantes insanos que já tinham todos esses benefícios.
Christina Hoff Sommers: Era uma revolução da classe média alta.
Roger Scruton: Exatamente. Observava o movimento nas ruas e era uma revolução supostamente contra a burguesia, em favor da classe trabalhadora. Procurava nas ruas por representantes da classe trabalhadora e os únicos que eu via eram os policiais recebendo pedradas.
Christina Hoff Sommers: Atualmente, vemos isso em alguns campi universitários...
Roger Scruton: Sim. Então, através dos anos, refletindo sobre essa questão, é que surgiu a essência do conservadorismo.
Conservadorismo é o amor pela realidade. É o amor pelas coisas que você herdou e um desejo de reafirmar esta herança.
Não de forma que você não possa criticá-la. Essa relação existe da mesma forma com que você lida com sua família, com seus pais, seus irmãos e irmãs. Você sabe dos defeitos deles, mas você os ama e eles são parte de você.
Sua tarefa primordial é afirmar este amor para então trabalhar e melhorar estas relações, é claro.
Christina Hoff Sommers: Quando você fala de melhorias, consigo imaginar alguém da esquerda respondendo ‘do que você está falando? O que você está conservando está corrompido, está cheio de injustiças. São instituições em que as mulheres são cidadãs de segunda classe. Do que você está falando?’
Roger Scruton: Tudo é imperfeito, mas a questão é quais partes daquilo que você herdou podem ser melhoradas? Quais partes devem ser descartadas? Quais partes são necessárias se você quer melhorar alguma coisa?
Edmund Burke dizia que nós reformamos para conservarmos. Se não fazemos desta forma, corremos o risco de perdermos o motivo pelo qual estamos reformando, porque jogamos fora nossas identidades de seres sociais.
Christina Hoff Sommers: É muito mais fácil destruir algo do que construir. Então, vemos o denegrir da beleza na vida contemporânea e na educação, onde os jovens não são introduzidos aos grandes trabalhos do passado ou até mesmo a algo como a beleza de termos uma lei comum para todos...
Roger Scruton: Acredito que onde alguém deve buscar um caminho do meio entre dizer ‘esta é nossa herança: aceite-a’ e dizer ‘livre-se de tudo isso e vamos começar do zero’.
Todas as tentativas de se livrar de tudo e começar de novo, como a Revolução Francesa ou a Revolução Russa ou a Revolução Nazista terminam em genocídio, porque os controles que previnem as pessoas de exercitarem a sua raiva e ressentimento básicos são removidos.
Então, você precisa começar do ponto de que herdamos algo que define o que somos agora. Vamos ver o que queremos melhorar, quais partes daquilo são fundamentais para sermos o que somos.
Você mencionou o direito comum que é parte da herança do meu país e do seu, que é algo que os jovens de hoje não entendem plenamente. Eles não enxergam a grande conquista de um sistema legal que cresceu da resolução dos conflitos individuais e a extração de princípios a partir disso. Isso é sensível em todos os pontos sobre a realidade dos seres humanos.
Christina Hoff Sommers: E é algo que se desenvolveu de forma orgânica, da base, e não do topo.
Roger Scruton: Sim, não foi de forma imposta. Veja, mas isso é um instinto natural nos intelectuais. É até a razão pela qual intelectuais são tão perigosos, que é impor as coisas do topo.
Eles dizem ‘olha, nós entendemos tudo. Nós temos a resposta para os problemas humanos. Estes são os princípios que serão aceitos. Nós aplicaremos estes princípios e observaremos as aplicações nos indivíduos’.
Este é o oposto de como os conflitos humanos são resolvidos. Os princípios devem ser observados a partir dos indivíduos e não do outro jeito.
Christina Hoff Sommers: Você vê isso na história da arte, como havia uma tradição de beleza. Você vê os trabalhos de gênios e os jovens que aprenderam a apreciar, jovens artistas que aprenderam a reproduzir. De repente, aliás, através de uma mudança gradativa, na modernidade e na pós-modernidade, algo se perde.
Roger Scruton: Sim esse algo me perturba, porque eu sempre me interessei pelas artes. Enquanto eu crescia, o mesmo aconteceu para muitos da minha geração, eu procurava por algo que representasse a civilização, que quase destruiu a si mesma na Segunda Guerra.
Procurava por algo que era tão grande, pelo símbolo daquilo que eu realmente gostaria de me agarrar. A arte, a música, a literatura se tornaram símbolos para mim. Então, tive que enfrentar - eu e toda minha geração - esse estranho enigma. Em certo ponto, os próprios artistas pareciam estar se voltando contra a sua vocação.
A vocação da arte, como eu a vejo, é produzir coisas belas, através da beleza que compreendemos nossa própria condição humana.
A condição humana como nós a conhecemos é cheia de tragédias e mistérios. Uma das tarefas da arte é nos reconciliar com isso. É mostrar que, na profundeza do desespero, existe uma beleza que nos liberta.
Toda grande arte do passado, Van Gogh, Cézanne, era devotada a este sentido transcendente. De repente, surge uma cultura de repúdio, que não queria mais isso. Já que não podemos fazer isso, vamos condenar.
Você tem uma arte como de Willem de Kooning, e de pessoas que ascenderam na América, devotadas ao sentido de profanar a condição humana em vez de libertá-la.
Acho que uma pessoa religiosa diria que isso é trabalho do demônio, mas eu não colocaria desta forma.
Existe algo em nós que quer destruir, mas há algo em nós que quer afirmar. Os artistas são particularmente vulneráveis a essas forças, porque em certo estágio da nossa civilização os artistas eram como heróis. Os artistas eram adorados, eram uma forma de representação do espírito do tempo.
Alcançar esse status, é claro, é um objeto de grande desejo. Então, qualquer forma de conseguir atenção parecia ser bom.
Então, você tem a arte pop ou coisas piores, como Tracey Emin sendo apresentadas. Sua cama desordenada, a bagunça da sua vida cotidiana foi se tornando um espetáculo (foto abaixo).
As pessoas formavam filas para ver esse espetáculo, mas isso não significa que aquela coisa é bela. Isso não significa que o público sairá de lá para melhorar sua vida ou refletir sobre a sua condição e se reconciliar com ela.
Christina Hoff Sommers: Você disse que defende a beleza porque é uma forma de nos encontrarmos e que, se perdemos a beleza, perdemos o sentido da vida.
Roger Scruton: Sim. Nós não fazemos tudo pela beleza. Isso é impraticável e até ofensivo, porque um grande número de pessoas não consegue viver suas vidas desta forma.
Mas, em todos nós existe o desejo de fazer as coisas se encaixarem, de fazer as coisas se harmonizarem.
Veja, você entra em uma casa em que você foi convidado para jantar. A maneira com que você se apresenta, a sua linguagem, os seus gestos são pensados para se encaixar com aquelas pessoas que estão lhe recebendo.
Você pode não conhecer isso de uma forma adequada, mas você coloca a mesa de um jeito que pareça acolhedor. Isso é algo que os seres humanos fazem de forma espontânea e é parte do sentido da vida.
Existe um desejo muito profundo por essa beleza, que não é apenas a convivência com nossos vizinhos. Esta beleza reflete um sentido muito primitivo.
Trata-se de outra dimensão do ser. Nós não notamos essa força necessariamente nas nossas vidas cotidianas e nós certamente não temos palavras para descrevê-la.
Mas, de vez em quando, nós paramos para reconhecer que temos uma janela para o transcendente. Em nossas vidas cotidianas, ordinárias, essas pequenas janelas são absolutamente vitais.
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Christina Hoff Sommers: Quero concluir perguntando uma questão mais geral sobre liberdade. Ouvi você citar recentemente Matthew Arnold [poeta e crítico britânico do século 19], que disse que liberdade é um ótimo cavalo para cavalgar, mas você deve cavalgar para algum lugar. O que essa frase significa para você?
Roger Scruton: A liberdade para mim é sine qua non. Sem liberdade, não tenho habilidade para mudar minha própria vida ou habilidade para ajudar os outros a mudarem as suas. Então, preciso de liberdades básicas se eu quero ter uma vida plena como ser humano.
Mas, eu também preciso ter um sentido do que é uma vida plena: para onde devo mirar? Em certo ponto, olhar para mim mesmo e dizer ‘é bom ser o que eu sou’.
É difícil. Ocasionalmente, nós sentimos isso. Porém, se nós realmente valemos a pena, rapidamente pensaremos: ‘Não. Existem coisas que devem ser melhoradas’.
Quero apenas enfatizar que a liberdade não distingue uma boa sociedade de uma sociedade anárquica. A anarquia nos leva às famosas palavras de Hobbes, “a vida do homem é solitária, pobre, sórdida, embrutecida e curta”. E nós queremos nos opor a tudo isso.
Assista à entrevista na íntegra com legendas em inglês (ative-as no menu do player)
Roger Scruton
Filósofo e escritor britânico