Postado em abr. de 2017
Filosofia | Sociedade | Economia e Negócios
A crise da ecologia psíquica
Em texto escrito para a Revista Fronteiras do Pensamento, Giannetti comenta as novas lógicas de consumo a partir da obra do filósofo francês Gilles Lipovetsky.
Eduardo Giannetti é considerado um dos economistas mais respeitados do país e atua como professor e cientista social. É autor de 11 livros de ficção e de não ficção e foi agraciado com o Prêmio Jabuti em duas ocasiões. Entre seus livros estão Felicidade, O valor do amanhã e A ilusão da alma. Sua obra mais recente, Trópicos utópicos (2016), examina os dilemas brasileiros a partir da crise civilizatória que acomete o mundo.
Em texto inédito e exclusivo, escrito para a Revista Fronteiras do Pensamento 2017, Giannetti comenta as novas lógicas de consumo a partir da obra do filósofo francês Gilles Lipovetsky. “O ideal de vida da leveza e da “civilização sem peso", como propõe Gilles Lipovetsky, pressupõe a conquista de uma relação menos hostil e arrogante não só com a natureza externa, mas com a natureza interna ao ser humano."
>> ACESSE A REVISTA ONLINE e leia abaixo A CRISE DA ECOLOGIA PSÍQUICA, por Eduardo Giannetti:
O mundo moderno nasceu embalado por três ilusões poderosas:
I) a de que o progresso da ciência permitiria banir o mistério do mundo e elucidar o sentido da existência;
II) a de que o projeto de explorar e submeter a natureza ao controle da tecnologia poderia prosseguir indefinidamente sem atiçar a ameaça de grave descontrole da biosfera;
III) a de que o processo civilizatório promoveria o aprimoramento ético e intelectual da humanidade, tornando nossas vidas mais felizes, plenas e dignas de serem vividas.
O moderno Ocidente trouxe fabulosas conquistas, mas as suas promessas não se cumpriram. Se é verdade que uma era termina quando suas ilusões fundadoras estão exauridas, então o veredicto é claro: a era moderna caducou.
Na encruzilhada do século 21 , como enuncia com lapidar clareza a encíclica Laudato si' do papa Francisco, “os desertos externos estão aumentando no mundo porque os desertos internos se tornaram tão vastos".
A degradação do mundo natural que nos cerca tem um correlato em nosso mundo interno. Assim como o metabolismo entre sociedade e natureza no mundo moderno produziu a crise ambiental, de igual modo a nossa natureza interna vem sofrendo as consequências inadvertidas e indesejadas de um processo civilizatório em guerra com o psiquismo arcaico do animal humano e calcado no culto fanatizado da tecnologia e da máxima eficiência em tudo.
A crise da ecologia psíquica é fruto da severidade da renúncia instintual imposta por um processo civilizatório agressivamente calculista e cerebral: uma forma de vida em que a convenção e a hipocrisia permeiam os vínculos erótico-afetivos enquanto a competição feroz, a ansiedade e a ambição irrestrita dominam o mundo da produção e do consumo.
Daí o fardo do viver civilizado. O ideal de vida da leveza e da “civilização sem peso", como propõe Gilles Lipovetsky, pressupõe a conquista de uma relação menos hostil e arrogante não só com a natureza externa, mas com a natureza interna ao ser humano.
E o Brasil com isso? Será desvairadamente utópico imaginar que temos tudo para não capitular à opressiva industriosidade geradora de objetos demais e alegria de menos do tecnoconsumismo ocidental? Que o Brasil, embora modesto nos meios, mantém viva sua aptidão para a arte da vida e a capacidade de cultivá-la a uma perfeição mais plena? Que podemos ousar modelos de economia e convivência mais humanos e adequados ao que somos e sonhamos?
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Eduardo Giannetti
Economista