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Postado em abr. de 2021
Filosofia
Alain de Botton: por que não nos contentamos com uma vida comum?
A busca desenfreada por sucesso profissional e riqueza na contemporaneidade é tema de reflexão para o filósofo suíço, que acredita no valor das experiências cotidianas.
Por Júlia Corrêa
Para uma parcela da sociedade, a pandemia suscitou reflexões sobre como encontrar sentido no cotidiano. Diante da reclusão e da vulnerabilidade a que ela nos expôs, houve quem buscasse sair do modo automático para repensar prioridades da vida, dedicando mais atenção, por exemplo, à saúde mental em detrimento de ambições profissionais. O momento, assim, parece propício para se trazer à tona um importante questionamento do filósofo suíço Alain de Botton, conferencista do Fronteiras do Pensamento em 2011. Em vídeo publicado em outubro do ano passado, ele faz a seguinte indagação: por que não nos contentamos mais com uma vida comum?
Autor de obras voltadas ao grande público, como As Consolações da Filosofia (2000), A Arquitetura da Felicidade (2006) e O Curso do Amor (2016), Botton é conhecido por estimular esse tipo de reflexão acerca de questões muito vinculadas à experiência cotidiana. Não por acaso, é fundador da The School of Life, organização voltada ao aprimoramento da inteligência emocional de seus seguidores.
Neste vídeo recente, ele aborda um comportamento que se tornou recorrente no mundo contemporâneo e que, nos últimos tempos, felizmente, tem gerado debates sobre nossos limites físicos e mentais. Trata-se, segundo o filósofo, da autocobrança para sermos extraordinários em tudo, o tempo todo. Para Botton, essa atitude tem relação íntima com uma mensagem originada e difundida na sociedade americana, que, na visão dele, é bela, mas também perigosa — a ideia de que, com esforço, qualquer indivíduo pode ser e alcançar o que quiser. Para ilustrar esse cenário, ele cita a proliferação de livros que prometem mostrar como se tornar rico ou obter sucesso da noite para o dia.
No entanto, argumenta Botton, trata-se de uma noção ilusória, uma vez que esse êxito se dá apenas entre uma parcela muito restrita da população (frequentemente envolvendo altas doses de sorte). E é daí que advém o sofrimento para a maioria: “Se você realmente acredita em um mundo onde pode fazer qualquer coisa, mas entrega apenas o essencial, você se sentirá arrasado, e as possibilidades de humilhação serão maiores”, avalia ele. Intimidados por essa ideia, acabamos por entrar num ciclo de baixa autoestima, sentindo-nos culpados por não darmos o nosso “melhor”.
Além de todas as consequências negativas no âmbito privado, esse tipo de pensamento, de acordo com o filósofo, faz com que desvalorizemos conquistas fundamentais obtidas pela humanidade ao longo dos séculos. Desse modo, a despeito da incomparável média de conforto material registrada hoje, “colocamos uma cobra no gramado e arruinamos o paraíso que nossos ancestrais construíram, dizendo a nós mesmos que, na verdade, a vida comum não é boa o suficiente.”
Vale notar que, com essa reflexão, Botton não está pregando o comodismo. O que importa a ele é o alerta de que esse padrão de insatisfação e autocobrança pode ser torturante em muitos sentidos e até mesmo ter consequências trágicas, no que considera uma epidemia de mal-estar mental. Para o filósofo, precisamos difundir uma nova mensagem: a de que não há problema em errar e em ser uma pessoa comum. Com isso, diz ele, devemos lembrar que “alegria não é ganhar 10 milhões de dólares; é poder beber com um amigo, ter uma refeição que acabe bem, terminar o dia sem que ninguém tenha morrido, em que não tenha havido nenhuma crise.”
Apoio cotidiano
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Além das sugestões acima, Botton parece ter outras lições úteis para lidarmos com esse tipo de ansiedade. No livro Arte Como Terapia (2013), escrito com o filósofo britânico John Armstrong, ele defende a apreciação da arte como uma verdadeira ferramenta de apoio na superação de nossos conflitos. A publicação, aliás, originou uma plataforma que, de acordo com o sofrimento manifestado pelo usuário, direciona-o para a reprodução de obras de arte relacionadas a suas angústias, exibidas com um texto complementar.
Já em sua conferência para o Fronteiras do Pensamento, com base em seu livro Religião Para Ateus (2011), o filósofo defendeu, em sentido semelhante ao da arte, uma atitude ao mesmo tempo respeitosa e herética com as religiões. Sua recomendação é que tomemos as partes boas de certos rituais religiosos e as apliquemos em nosso cotidiano, independentemente de qual seja nossa fé. As religiões, em sua visão, são abertamente didáticas em sua missão de orientação e de consolo para a vida, ao contrário de espaços como as universidades, que relutam em aproximar o conhecimento de questões que afetam profundamente o nosso dia a dia.
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Em seu livro, ele nos lembra que as religiões foram inventadas precisamente para nos ajudar a lidar “com aterrorizantes graus de dor, que surgem da nossa vulnerabilidade ao fracasso profissional, a relacionamentos problemáticos, à morte de entes queridos e a nossa decadência e morte”. Assim, ao nos sentirmos culpados por não termos uma vida extraordinária, podemos lembrar, entre outras sugestões de Botton, das lições do Livro de Jó, que, segundo o autor, mostra como “não deveríamos interpretar sempre a dor como punição” e que “vivemos em um universo cheio de mistérios, dentre os quais os caprichos do nosso destino certamente não são os maiores e nem mesmo estão [...] entre os mais importantes.”
* Júlia Corrêa é jornalista e mestranda em Teoria Literária e Literatura Comparada na Universidade de São Paulo (USP)
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Alain de Botton
Filósofo