Postado em mar. de 2020
Sociedade | Social
Chegou a vez da política da humanidade
Globalização, desenvolvimento e senso de humanidade: Edgar Morin defende a simbiose de diferentes culturas.
Edgar Morin, um dos mais populares pensadores franceses contemporâneos, fala sobre a “política da humanidade”: um conceito valoroso e que conversa com o momento em que vivemos. Nele, o filósofo propõe o ideal de uma simbiose, de recuperar valores importantes e agregá-los a todo tipo de progresso já alcançado.
Em meio à pandemia do Coronavírus, a situação em que nos encontramos é de extrema importância da solidariedade e do senso coletivo, começando pelos cuidados individuais. Ao mesmo tempo, utilizamos as tecnologias a favor da humanidade. Ou seja, conforme afirmou Morin, a ideia é unir o melhor do desenvolvimento, e respeitar as qualidades e valores de diferentes culturas.
Saiba mais sobre o pensamento de Edgar Morin em vídeos exclusivos ao Fronteiras do Pensamento.
As grandes ideias propostas por Edgar Morin no palco do Fronteiras podem ser lidas na obra 21 ideias do Fronteiras do Pensamento para compreender o mundo atual.
O livro reúne o que há de melhor para compreender as mentes contemporâneas: textos de especialistas brasileiros explicando o pensamento dos conferencistas, seguidos da fala dos convidados, em excertos muito bem escolhidos como representativos das ideias que os colocaram como referências do nosso tempo.
Confira abaixo um excerto da fala de Morin e não esqueça de passar pelo site da Arquipélago Editorial e garantir a sua cópia, também à venda nas principais livrarias!
EDGAR MORIN | Certos ecologistas defendem a necessidade de um decrescimento, e é verdade, é preciso que haja um decrescimento das energias poluentes, de uma economia de produtos totalmente superficiais, de valia mitológica e ilusória, que prometem a saúde, a felicidade, a juventude, a sedução etc.
É preciso que decresça a intoxicação consumista que assola a classe média e a elite e, em contrapartida, que cresçam as possibilidades de consumo das populações miseráveis e pobres.
É preciso combinar crescimento e decrescimento, ou seja, o que deve crescer com o que deve decrescer — e o que deve crescer é uma economia verde, isto é, de energia limpa, uma economia que transforma as cidades, que as deixa saudáveis e humanizadas.
Portanto, é preciso combinar globalização e desglobalização, desenvolvimento e envolvimento, crescimento e decrescimento — e isso, a meu ver, substituindo a palavra desenvolvimento por ‘política da humanidade’.
Por que essa substituição? Porque o desenvolvimento é uma fórmula padrão que é aplicada a povos e culturas que já possuem suas próprias riquezas.
É um erro crer que culturas fundadas sobre a tradição oral, isto é, desprovidas da escrita, sejam reduzidas à carência, ao analfabetismo. Não, elas não conhecem o alfabeto, mas elas possuem tesouros culturais milenares — e digo isso também em relação às pequenas sociedades indígenas do Brasil, principalmente da Amazônia.
Assim, uma política da humanidade é uma política que sabe fazer a simbiose entre as qualidades que se originam do Ocidente, isto é, da globalização, e as qualidades próprias às culturas tradicionais.
Essas culturas possuem uma conexão, um vínculo com a natureza que nós buscamos reencontrar no mundo ocidental; elas possuem uma noção de solidariedade que nós já perdemos. Porém, elas possuem também dogmatismos, autoritarismos, políticas de isolamento. A questão é, portanto, fazer essa simbiose.
Num conjunto, uma política da humanidade seria uma política capaz de efetuar, em cada país, um reencontro entre o melhor de sua própria cultura e das culturas estrangeiras. O que, de certo modo, já está começando, pois é curioso que, no Ocidente, há tamanha insatisfação moral, psíquica, que se nota um apelo não apenas aos divãs dos psicanalistas e psicoterapeutas, mas também à yoga, ao budismo zen, às formas asiáticas de espiritualidade, para se reencontrar uma harmonia consigo mesmo, com seu próprio corpo, com seu próprio espírito.
A ideia de uma política da humanidade é a de uma política que une o melhor do desenvolvimento, mas, eu repito, que faz essa simbiose e que respeita as qualidades e os valores de diferentes culturas.
Edgar Morin
Filósofo