Postado em abr. de 2020
Filosofia | Psicologia e Saúde Mental
FILOSOFIA: Como encontrar calma em meio a uma pandemia
Para o filósofo e escritor Alain de Botton, o estoicismo sinaliza bons caminhos para encontrar a calma durante uma pandemia.
As gerações atuais estão vivendo tempos sem precedentes em suas trajetórias. O mundo já vivenciou situações extremas de doenças e guerras. Mas, no século 21 e por conta da Covid-19, estamos precisando aprender a lidar com as preocupações de saúde e com novos processos sanitários e de convívio social.
Neste cenário, o filósofo e escritor suíço Alain de Botton sinaliza que muitos podem sofrer de agitação e ansiedade. E o mais importante de tudo é que, como estamos vivendo globalmente uma pandemia, esses podem ser sinais normais. Fundador da The School of Life e conferencista do Fronteiras do Pensamento em 2011, Botton defende que talvez seja o momento de reconhecer fragilidades e não responder mais automaticamente que “está tudo bem”. Os filósofos estóicos sinalizam bons caminhos para que saibamos analisar as possibilidades e encontremos a calma.
Para esta edição da nossa newsletter de conteúdos especiais, traduzimos – com a autorização de Botton – um artigo publicado neste mês na Inglaterra. Esteja atento à sua rotina e pensamentos. Enquanto a temporada não inicia, nosso debate segue por aqui e nas redes sociais do projeto. Esperamos que goste do artigo. Envie seus comentários. Nós seguimos próximos, mesmo a distância.
Como encontrar calma em meio a uma pandemia | Alain de Botton
“Há algo que pode ajudar a melhorar nosso ânimo de forma incomensurável: a ousadia de sermos honestos com os outros a respeito do que estamos sentindo.”
Quando estamos ansiosos, uma das coisas que mais trazem calma é aceitar que nossa agitação pode ser completamente normal. A partir daí, é possível administrar nossos sentimentos em vez de negá-los ou lutar contra eles. Acima de tudo, não devemos nos preocupar por estarmos preocupados. No atual momento, seria muito estranho não sentir um pouquinho de pânico. Em algumas circunstâncias, ficar meio apavorado é sinal de sanidade, e não há dúvidas de que a sombra de uma pandemia global basta para justificar algum nível de inquietação. Assim que tudo acabar, voltaremos a ser quem costumávamos ser.
Há algo que pode ajudar a melhorar nosso ânimo de forma incomensurável: a ousadia de sermos honestos com os outros a respeito do que estamos sentindo. Na maior parte do tempo, sustentamos uma fachada que demonstra grande coragem, dizemos sempre que tudo está bem e que estamos ótimos. Acreditamos que essa postura nos tornará benquistos, mas pensar assim não nos ajuda em nada. Mais do que nunca, devemos parar de ostentar uma bravura artificial e confessar de uma vez que estamos passando por maus bocados. Ao escutarem isso, as outras pessoas sentirão no mesmo instante que não estão sozinhas com seus problemas, e isso tornará possível uma conexão a partir dessa experiência compartilhada de sofrimento. Podemos até conquistar a admiração dos outros impressionando-os com nossa força e nosso vigor, mas só estabelecemos amizades verdadeiras quando somos honestos a respeito de nossas vulnerabilidades. E, por sorte, a crise atual nos dá total liberdade para sermos mais sinceros sobre o que estamos enfrentando. O “custo” da honestidade se tornou mais baixo, e durante esse processo temos uma oportunidade ideal para fazermos amigos de verdade.
Quando estamos preocupados, é comum que pessoas bem intencionadas nos digam que “vai ficar tudo bem”. Elas acham que estão sendo legais, mas esse tipo de otimismo não costuma ser muito convincente. Às vezes, um pouco de pessimismo pode ser melhor – o que, bem sabemos, pode nos alegrar mais do que desanimar. Para os filósofos estoicos da Roma Antiga, o caminho para a calma não é insistir na inexistência de coisas ruins. Elas podem acontecer, e de fato acontecem, o tempo todo. Existem ondas de fome, pragas, incêndios e guerras. Existem animais perigosos e pessoas terríveis. Mas os estoicos insistiam que, embora essas coisas existam (com maior frequência do que gostaríamos de admitir), o mais importante é que somos capazes de suportá-las. Os perigos que elas oferecem podem ser solucionados e dominados por nossas mentes. Jamais devemos deixar de explorar nossas preocupações, tampouco relegá-las ao fundo de nossa consciência: isso significaria entregar o jogo e permitir que elas nos perturbem para sempre. Até a nossa própria morte pode ser mensurada, e sua sombra pode ser confrontada. Nem todos os finais são felizes, mas talvez exista uma forma de superá-los.
“Para encontrar a calma”, escreveu o filósofo estoico Sêneca, “imagine não apenas o que provavelmente acontecerá, mas também o que pode acontecer”. Em outras palavras, imagine o pior, leve suas preocupações ao limite e veja o que sobra: a situação pode ser feia, mas também tolerável à sua maneira. Segundo os estoicos, para alcançar a força interior, não devemos fugir da ansiedade, mas acender a luz da sala do medo e ver o que existe ali dentro. Se houvesse uma enchente, como poderíamos lidar com isso? Se houvesse uma praga, como poderíamos administrar a situação? Se recebermos um diagnóstico grave, o que poderíamos fazer em seguida? Essa é a essência do pensamento resistente.
Não tenho como saber se Judith Kerr, autora da história infantil The tiger who came to tea [O tigre que chegou para o chá] já leu os filósofos estoicos, mas seu famoso conto para crianças é um exemplo brilhante (e útil até para os adultos) de como lidar com eventos inesperados – neste caso, um visitante inesperado (um tigre) que bate na porta exigindo hospitalidade (uma refeição). A filha da família abre a porta e é surpreendida pelo animal, mas a mãe lembra a garota de que tudo é possível e pensa “Nossa, um tigre. Meio atípico. Mas tudo bem”. Então elas o convidam a entrar e lhe oferecem uma refeição. Mas nenhuma porção de nada satisfaz o tigre: ele come tudo o que há na casa e esvazia até mesmo a água das torneiras. Quando o pai chega e descobre que não sobrou nenhuma comida, contudo, ele não perde: “Ah, ficamos sem comida! Bom, vamos comer fora”. Então os quatro passam a noite juntos na rua. No dia seguinte, mãe e filha saem para comprar alimentos. Elas compram até mesmo uma grande lata de Ração de Tigre para o caso de o tigre voltar. Mas ele nunca volta.
Os estoicos teriam chamado The tiger who came to tea de uma premeditação, o estudo de um cenário difícil criado para nos mostrar que as coisas podem acontecer, mas que também é possível sobreviver a elas. Somos injustos conosco quando presumimos que não somos capazes de lidar com algo além da felicidade. Nós, como todos os humanos, fomos feitos para enfrentarmos dificuldades. O melhor não é fingir que acontecimentos assustadores não ocorrerão conosco. Pode ser que aconteçam, e pode ser que destruam tudo o que amamos durante o processo. Quando sentimos medo, o melhor a se fazer é passar um tempo com esse medo para aceitarmos que coisas ruins podem acontecer conosco e analisá-lo até percebermos que é possível suportar algo que, visto de longe, parecia catastrófico. É, em outras palavras, saber que tigres baterão em nossa porta e, após causarem danos consideráveis, acabarão indo embora.
PLANO DE SEIS ETAPAS PARA REDUZIR A ANSIEDADE
– CONCESSÃO: Aceite sua impotência diante dos eventos. Não nade contra a corrente.
– AMOR: Estenda a mão para as pessoas que também estão confusas e assustadas, construa amizades ao redor de sua vulnerabilidade comum.
– VOLUNTARISMO: Ajude em tudo o que puder. Tire férias da tortuosa busca pela realização pessoal. Dedique-se a uma tarefa infinitamente mais gratificante: ajudar os outros.
– PESSIMISMO: Encontre paz para a mente deixando de esperar pelo melhor e analisando os piores cenários possíveis, aceitando seus aspectos mais sombrios.
– RISO: Ria tragicamente do absurdo da situação em que nos encontramos; insista em um senso de humor desafiador.
– PEQUENOS PRAZERES: Viva um dia por vez e reserve um espaço especial para prazeres módicos: ver flores, talvez provar um chocolate, curtir a luz do sol ou contar algumas piadas de humor negro com amigos de longa data.
Alain de Botton
Filósofo