Postado em fev. de 2020
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O criacionismo não é uma teoria
Em fala exclusiva ao Fronteiras, o físico brasileiro defende que o criacionismo não pode ser considerado uma teoria, pois não tem embasamento científico ou histórico.
Criacionismo e evolucionismo: duas ideias de naturezas totalmente opostas que buscam explicar como surgiu a vida na Terra. Ambas sempre suscitaram calorosos debates e retornaram à agenda pública recentemente com a nomeação de Benedito Guimarães Aguiar Neto para a presidência da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior (Capes). Aguiar Neto é um defensor da abordagem educacional do criacionismo a partir de uma nova roupagem, a da teoria chamada Design Inteligente (DI).
Mas será que podemos considerar o criacionismo e o evolucionismo como ideias da mesma natureza, somente de lados opostos? Para falar sobre o tema, fique com as palavras de um cientista brasileiro agraciado com o Prêmio Templeton em 2019 - Láurea que incentiva o diálogo entre ciência e espiritualidade e já foi concedida ao Dalai Lama.
Professor em Dartmouth College há 28 anos, o físico Marcelo Gleiser é hoje um dos principais proponentes da visão que ciência, filosofia e espiritualidade são expressões complementares que a humanidade precisa para abraçar o mistério e explorar o desconhecido.
Antirradicalista e agnóstico, Gleiser apresenta uma opinião clara sobre a questão: “O criacionismo volta ao que chamamos de “Deus dos vãos”. É a ideia de que aquilo que a ciência não entende, Deus explica. Os “vãos” são as lacunas no conhecimento científico”.
Na fala a seguir, exclusiva ao Fronteiras do Pensamento, o cientista brasileiro estabelece uma distinção entre as crenças científicas e religiosas ao defender que o criacionismo não possa ser considerado uma teoria, pois não tem embasamento científico ou histórico. Confira:
Marcelo Gleiser – o criacionismo não é uma teoria
Existe uma ideia de que você tem que ensinar a teoria da evolução e o criacionismo da mesma forma: como duas teorias de como a vida evoluiu na terra. Mas isso é uma grande besteira, porque o criacionismo não é uma ciência e não é uma teoria.
O criacionismo é uma ideia que diz o seguinte: nossa vida é tão complexa, que em milhões de anos de evolução não teria sido possível ela se tornar tão complexa, então foi Deus que fez. O criacionismo é isso e ponto final. Você pode tornar esse argumento um pouco mais sofisticado ou não, mas a essência do argumento é essa.
O criacionismo é uma besteira, porque nós sabemos que a teoria da evolução funciona. Todo dia nós vemos a teoria da evolução acontecendo na prática.
Quando você fala, por exemplo, que uma pessoa não pode mais tomar determinado antibiótico, porque a bactéria x, y ou z desenvolveu uma defesa contra esse antibiótico, o que aconteceu? O antibiótico é o que a gente chama de uma pressão seletiva, um meio que não é bom para as bactérias, então elas sofrem mutações aleatórias e eventualmente uma dessas mutações dá certo e uma bactéria cria uma resistência contra aquele tipo de antibiótico.
Essas situações como a resistência aos antibióticos acontecem o tempo todo e comprovam que a teoria da evolução é real.
As novas doenças que vão surgindo, como foi o caso da AIDS, de onde elas vêm? São coisas que vão ocorrendo com a passagem do tempo, que mostram que a evolução está em andamento, que não é algo que terminou.
A teoria da evolução acontece o tempo todo diante de nossos olhos.
Considerado um dos “gênios do Brasil” na série especial do TecMundo, o físico Marcelo Gleiser é um ídolo nacional. Seus vídeos estão entre os campeões de visualizações em nosso canal no YouTube. Assista à fala de Gleiser no vídeo abaixo:
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