O velho sonho

Por Luiz Fernando Bettella

O teatro da OSPA estava lotado para ver Michael Sandel na conferência de agosto do Fronteiras do Pensamento, nem o trânsito e a chuva forte frearam o ânimo dos porto-alegrenses. Sandel é uma estrela, diria celebridade se não soasse pejorativo. Um filósofo político que trata de grandes questões morais e éticas com simplicidade e maestria. Chama a participação da plateia, pede para acender a luz para interagir com o público, propõe pontos de vista antagônicos para exercitar discussões filosóficas e apresenta suas ideias com clareza e desembaraço ímpares.

Falou da polarização política crescente nas últimas décadas, e apontou a decepção com o modelo capitalista globalizado como principal causa: a globalização não entregou o que prometia. O tema polarização política muito me intriga quando vejo gente inteligente e virtuosa defendendo o indefensável. Política virou paixão, e a paixão é cega. 

Criticou a meritocracia, definiu como falácia o discurso de que todos podem vencer com esforço. Analisou o modus operandi das redes sociais que inundam nossas telas com conteúdo que reforçam nossas opiniões e desqualificam os que pensam diferente. O ódio seduz, infelizmente. Abordou assuntos importantes e polêmicos como justiça e mobilidade social, sempre tangenciando ética e política. Concordei muito e discordei pouco, percebi então que estava aproveitando ao máximo a conferência. 

Por vezes tive a sensação de estar ouvindo o óbvio, por vezes tive a sensação de que havia uma pitada de utopia em seu discurso, e então lembrei que a história está recheada de desastres sociais causados pela utopia. Precisamos recuperar a capacidade de ouvir opiniões contrárias. Não parece óbvio? 

A bela participação de Túlio Milman como mediador fechou o evento com a fase de perguntas e respostas. Bela e natural, como se conversasse com o conferencista no sofá da sala. Túlio é mesmo muito bom no que faz.

Na saída, como sempre faço, comprei o último livro do conferencista, O Descontentamento da Democracia, e entrei na fila de autógrafos. A fila estava grande, mas andava de forma rápida. Deu tempo de pensar no que disse Sandel sobre liberdade e bem-estar social:  o sonho americano ainda está vivo, mas mora em Copenhagen. E o sonho brasileiro, por onde anda…