Postado em ago. de 2022
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Um mundo fascinante
A rápida mutação tecnológica é o grande fato da vida contemporânea – mais visivelmente nas dimensões ecológica e econômica; mais sensivelmente nas dimensões social e existencial. É de onde parte o curador do Fronteiras do Pensamento nesta reflexão.
A rápida mutação tecnológica é o grande fato da vida contemporânea – mais visivelmente nas dimensões ecológica e econômica; mais sensivelmente nas dimensões social e existencial. Vai nesse sentido a aposta do filósofo Luc Ferry: a terceira revolução industrial terá um impacto em nossas vidas, nas próximas três ou quatro décadas, maior do que teve toda a evolução tecnológica anterior. É possível que haja algum exagero de Luc Ferry. Vivemos uma era de mudança acelerada, e não raro a retórica em torno da mudança anda mais rápido do que seu impacto real na vida das pessoas.
De qualquer forma, a transformação é inegável. O mercado vem assistindo a uma revolução com os aplicativos da sharing economy e o blockchain; a telemedicina vem revolucionando os serviços de saúde; há uma conversão energética em curso, em direção à diversificação de fontes, ao livre mercado e às energias renováveis. O teletrabalho se tornou uma realidade tangível com a pandemia. A inteligência artificial está hoje presente em quase todas as dimensões da vida social, para o bem e para o mal. E há uma revolução dos hábitos e da cultura. Multiplicou por três, nos últimos dois anos, o número de pessoas que se “retiram”, em períodos sabáticos. A rotina profissional online tem a ver com isso, mas igualmente as frustrações no mundo do trabalho.
Em 2021, 47 milhões de norte-americanos deixaram seus postos de trabalho, no que ficou conhecido como the greatresignation. As pessoas buscam novos sentidos e percebem que hoje dispõem de mais poder para fazer isso. É o avanço tecnológico. Trata-se de uma realidade que veio para ficar e um mundo novo à nossa frente. Um dos campos mais instigantes abertos pela revolução tecnológica, em nosso tempo, vem da possibilidade da integração entre seres humanos e inteligência artificial para “extensão da vida”, no que conhecemos como transumanismo. Em sua última participação no Fronteiras do Pensamento, em 2019, Luc Ferry provocou dizendo: “Tenho 69 anos e ando cheio de curiosidade sobre a vida. Há tantos livros para ler, ideias para aprender, lugares para conhecer. Então, desejo viver mais, ainda que o simples fato de estender a minha vida não tenha o condão de lhe conferir um sentido”. Talvez se encontre aí um limite do avanço tecnológico: o sentido. Em breve poderemos andar em carros autônomos, e isso tornará nossas cidades mais seguras.
Ganharemos um tempo precioso, podendo ler e trabalhar em vez de dirigir. Logo teremos a tecnologia 5G a nossa disposição, e crescerá exponencialmente nossa capacidade de transmissão de dados. Os produtos do dia a dia tendem a ficar mais baratos, a renda cresce lentamente, e temos cada vez mais oportunidades de escolha e de vida. Mas isso não nos assegura o sentido. Vai aí um dos desafios do nosso tempo. Sob certo aspecto, ele foi anunciado no início dos anos de 1930, por Keynes, em seu conhecido discurso sobre as perspectivas econômicas para os seus netos. Keynes basicamente prognosticava que, em coisa de um século, os seres humanos estariam prontos para superar, finalmente, o “problema econômico”. Isto é: em vez da escravidão ao trabalho, movidos pela necessidade, estariam livres para perseguir aquilo que é realmente importante para a vida humana.
Quase um século depois da profecia de Keynes, é possível dizer que seu prognóstico faz sentido para boa parte do planeta. O avanço tecnológico não só possibilitou a globalização econômica, aproximou mercados, permitiu eficiência econômica, como vem produzindo facilidades à vida humana, em especial no terreno da informação, impensáveis à época em que aquele texto foi escrito. O ponto é que a tecnologia carrega consigo um aspecto sombrio. As redes sociais geraram patologias inesperadas e ainda pouco compreendidas. O debate público tornou-se um território tribal, feito de ódios e baixa empatia; a inteligência artificial permite amplos processos de controle de opinião, invasão de privacidade, apresenta mesmo um horizonte distópico. São os riscos de um mundo que avança com velocidade inédita. Um mundo fascinante, do qual ninguém está disposto a renunciar, e que o Fronteiras do Pensamento podemos ajudar a compreender.
Doutor em Filosofia e mestre em Ciências Políticas pela UFRGS. É professor no Insper e curador do Fronteiras do Pensamento.
Este artigo foi publicado na Revista Fronteiras. Acesse o conteúdo completo aqui.
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Fernando Schüler
Curador do Fronteiras do Pensamento