Valter Hugo Mãe: Bom 2020

Postado em dez. de 2019

Literatura | Sociedade

Valter Hugo Mãe: Bom 2020

Da melancolia de fim de ano a um grande sentido de vida. Escritor português nos convida à sua reflexão para cruzar 2020.


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Valter Hugo Mãe é conhecido pela capacidade poética em sua prosa. Em seus trabalhos, o escritor português se destaca pela variedade de temas e meios de expressão. Abordando dos pequenos detalhes do cotidiano aos problemas enfrentados por diferentes nações, ele combina uma prosa apurada e histórias marcadas pela emoção.

No texto abaixo, o que impera é o aprendizado deste artista cujo objetivo é abraçar a humanidade. Neste novo ano que se inicia, Valter Hugo Mãe nos convida a deixar a melancolia que surge na data e mergulhar em um grande sentido de vida. Confira abaixo, logo após o vídeo, a reflexão do escritor sobre o que pode nos esperar em 2020.


VALTER HUGO MÃE: BOM 2020

Costumava ficar melancólico com o fim do ano. Sentia como se perdesse da mão alguém. Passava o tempo igual a perder pessoas, companhia, as coisas acumuladas. Mudei.

Envelheço agora com frontalidade. A vida mede-se por intensidade e nunca por extensão. Vazios vão tantos por aí, longos no tempo, e tão repletos podem estar os jovens, conscientes já do sentido inteiro das suas existências. Mudar de ano não pode ser folia ou depressão de calendário, tem de ser sobretudo uma inspeção interna à distância que estamos de cuidarmos da nossa autoestima. Nenhum ego ou soberba, apenas autoestima, essa qualidade essencial para que nos sintamos justificados na agressividade do real.

Tudo conspira para que a atenção esteja na contingência de sobreviver, contudo, sobreviver é apenas a manutenção da condição animal. A humanidade é uma ideia para depois da sobrevivência. Ela coloca-se para lá de comer, vestir, habitar. Quando me bato pela Cultura, não é senão nesta convicção profunda de que é ela que nos estrutura para o projeto humano, isso que nos levanta da contingência do bicho e nos elogia com o brio do conhecimento, da imaginação e da criatividade.

Sendo claro o sucesso dos torpes na ordem do Mundo, com a perda do complexo que os faz agora orgulhosos, nunca me pareceu mais urgente refletirmos acerca da importância da Cultura, do mesmo modo como ponderamos o futuro da humanidade. A radicalização das convicções leva a uma emotividade primária em que a frustração inventa o ódio. A Cultura, por outro lado, nesse cômputo gigante do conhecimento e da imaginação, é uma disciplina de ponderação e respeito. Serve para maturar o pensamento e o gesto. Serve para impedir o ódio, essa perturbação que é absolutamente contrária ao imperativo da Humanidade, assente na alteridade e no diverso.

À entrada de um novo ano, esperando que os espíritos se encontrem mais permeáveis à mudança, é o que escolho e desejo: uma participação nessa construção pacífica, inteligente, do ideal humano. Um passo novamente em direção à compaixão, nunca por uma piedade arrogante e moralista, mas por uma limpidez de raciocínio. Somos votados ao coletivo, faremos maravilhas em coletivo, e haveremos de sucumbir na atomização e no ódio. Usar-se a compaixão é demonstrar-se a essencial inteligência. Aquela que opta por estar do lado da Humanidade ao invés de se render ao bicho que na História inteira procuramos educar.

Bom ano novo a todos. Muita coragem para amarem mais as pessoas, começando talvez por se tornarem mais amáveis também. O desafio que me faço.

(Via JN)

Assista a mais vídeos com Valter Hugo Mãe no Fronteiras.com

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Valter Hugo Mãe

Valter Hugo Mãe

Escritor

Escritor português. Premiado por obras como o remorso de baltazar serapião.
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