Postado em out. de 2018
Arte | Cultura | Governança | Ativismo e Causas Humanitárias
Ai Weiwei responde: democracia, arte e liberdade
Liberdade de expressão, polarização brasileira e a capacidade de revolução dentro de cada um de nós. Ai Weiwei foi o convidado do Fronteiras Porto Alegre desta segunda-feira.
Os fundamentos da trajetória de Ai Weiwei foram os temas condutores do debate do Fronteiras do Pensamento na noite desta segunda-feira (08), em Porto Alegre.
Artista, ativista, cineasta, designer, arquiteto e, sobretudo, revolucionário, Weiwei abriu sua fala abordando a polarização política brasileira. Para o artista, enfrentamos um momento obscuro não apenas no Brasil, mas como em todo o mundo.
Porém, diz ele, não podemos nos esquecer da nossa responsabilidade e do nosso envolvimento na defesa dos valores em que acreditamos: "Pode haver muros construídos por diferentes motivos, mas nós não podemos construí-los também em nossos corações”, declarou.
Na conferência, Weiwei respondeu perguntas do público e de Marcello Dantas, mediador e curador da maior retrospectiva do artista já realizada no Brasil: Ai Weiwei Raiz, que inicia no dia 20 de outubro, na Oca, no Parque do Ibirapuera, em São Paulo.
Dentre as questões que recebemos, estava a Pergunta Braskem, enviada por vocês, nossos seguidores nos canais digitais. Confira abaixo e não esqueça: Ai Weiwei estará no Fronteiras São Paulo nesta quarta-feira.
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Ai Weiwei responde: democracia, arte e liberdade
Gostaria de perguntar como Ai Weiwei encara o atual cenário político brasileiro que está dividindo o país. A eleição trouxe este momento em que a democracia parece estar sendo ameaçada por um movimento apoiado por milhões de brasileiros. Qual a sua avaliação?
Ai Weiwei: Eu acho que isso está acontecendo também nos Estados Unidos, na Alemanha, na Austrália, na Suécia e em vários outros lugares. Vários países estão enfrentando o mesmo problema.
É como falar de doenças. São coisas que acontecem. São imprevisíveis. É muito difícil analisar porque acontece, mas acontece. É a realidade.
Nós temos que perceber que os nossos direitos estão sendo violados e nós somos responsáveis por isso.
A chamada “democracia”, em muitos sentidos, foi um grande fracasso e não apoiou a mudança social ou a mudança positiva, mas acabou destruindo o que já havia.
Na verdade, muitas vezes, a democracia já começa com problemas. Se o sistema democrático não consegue ser melhorado, isso realmente é um problema.
Como a arte pode ser usada para unir os países e romper fronteiras?
Ai Weiwei: Hoje, nós temos mais de 70 fronteiras. Um grande percentual delas foi criado nos últimos poucos anos. Mas, as fronteiras são ridículas, sabemos disso.
A China construiu a grande muralha da China há muito tempo. É uma muralha forte, poderosa, já tem 2 mil anos.
Meu pai visitou o muro de Berlim antes de ele ser derrubado e escreveu um poema.
O nome do poema é O muro: “Não importa quanto tempo ou quão forte, ele não vai impedir o vento ou as aves. Mas, mesmo se ele for mais longo e mais forte, como você vai impedir que as pessoas lutem pela liberdade?”
Eu acho que sim, há momentos trágicos criados pelas pessoas, pelos políticos ou pelo ódio. Mas, mesmo assim, tudo isso só pode ser resolvido por nós. Pode haver muros construídos por diferentes motivos, mas nós não podemos construí-los também em nossos corações.
Se o muro estiver no nosso coração, esse será o muro mais forte. Isso, então, acabaria limitando as pessoas e limitando as possibilidades.
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Por que você escolheu viver na Alemanha?
Ai Weiwei: A Alemanha me deu possibilidade de emprego. Eu pude lecionar em uma universidade e o governo alemão também exigiu que eu fosse libertado.
Como seus projetos são financiados?
Ai Weiwei: A maioria dos meus projetos é financiada por mim. São projetos grandes e dá para perceber que eu ganho muito dinheiro, mas, 90% ou mais do dinheiro que recebemos é injetado diretamente nos projetos. Na verdade, a gente ganha dinheiro só porque quer fazer novos projetos.
Sem essas obras de arte, o dinheiro não significa nada para mim. Eu não tenho propriedade e preciso de muito pouco para viver. Por isso, financio a minha própria obra. Dedico cada centavo que ganho para o meu trabalho.
Qual a importância daqueles que veem a arte hoje em dia?
Ai Weiwei: O importante é fazer arte para que as pessoas vejam. Sem pessoas para apreciar a arte, eu não faria mais nenhum trabalho. Acho que vocês são importantíssimos.
Nós temos que acreditar que são pessoas como você, são pessoas que têm interesse na imaginação, nos sonhos. E, então, com essa crença, você tem vontade de fazer uma obra e pensa: vamos tentar, vamos ver se eu consigo estabelecer esse tipo de comunicação. Isso é bacana. Você pode fazer até mesmo o que você sinta que tem esse poder de se comunicar.
Quando você fez aquela obra quebrando o vaso da Dinastia Han foi um ato simbólico, era como romper com o sistema político na China? Qual foi seu intenção com essa obra?
Na realidade, eu fiz só para testar a câmera Nikon. Para ver se a Nikon era melhor que a outra câmera. Mas, depois as pessoas fizeram essa interpretação de que era um símbolo, que era algo icônico.
Mesmo sendo um artista bem-sucedido, ainda tenho dificuldade de explicar minha obra. Posso ser totalmente incompreendido.
Qual é o seu conselho para os jovens artistas?
Ai Weiwei: Eu acho que muita gente vai acabar chorando, mas, em primeiro lugar, a gente deve se esquecer da arte.
Nós devemos respeitar os nossos sentimentos e o que realmente importa na nossa compreensão. Se soubermos o que é isso, o que realmente importa, depois só tem a questão da linguagem, que não é difícil. Requer uma habilidade simples.
Para se estabelecer uma visão mais equilibrada da vida, sobre a sociedade humana, leva realmente muito tempo. Foram décadas até eu conseguir encontrar meu jeito. Mas, depois, você encontra o seu jeito de fazer arte, as coisas acontecem.
No documentário Human Flow você faz questão de estar e interagir em cena. Qual foi a sua intenção? Isso diz algo sobre o protagonismo necessário nos dias de hoje?
Ai Weiwei: Eu sempre acho que todo esforço consentido do mundo é feito por indivíduos e não por ideologia. Ideologia é algo simples quando falamos das condições humanas.
Não é bem ideologia, é algo prático, ou seja, como podemos coexistir. Então, eu sempre penso no esforço individual. Eu apresento isso como algo individual. Isso é importante, porque só ao fazer isso você assume responsabilidade.
Do contrário, todos nos escondemos, algo errado acontece e você diz: “ah, não é culpa minha, a culpa é de outro”. Eu acho que assumir responsabilidade como indivíduo é a forma honesta de ser.
Você é um arquiteto autodidata, você construiu um bairro, ajudou na construção daquele estádio e você usa essa arquitetura modular na sua obra, como se fosse um esquema tipo lego. De onde vem o arquiteto em você?
Ai Weiwei: Eu acho que todos nós temos a capacidade de construir. É como perguntar para alguém como a pessoa sabe cozinhar. Bom, a gente come, não é?
Eu comecei a construir ainda bem jovem, porque era necessário. Do contrário, a gente não podia ter um fogão ou calefação no inverno e nem mesmo uma cama. A gente não podia ter nada. Começamos a viver em condições tais que a gente tinha que fazer um buraco no subsolo, coberto com um telhado e a gente morava ali.
Esse conhecimento prático, adquirido lá no início, me ensinou muita coisa sobre arquitetura. Nunca frequentei a faculdade, mas aprendi na prática.
A arquitetura, para mim, tem a ver com entender o comportamento dos seres humanos: como nós vamos usá-la? Que tipo de material é utilizado? O que é mais eficiente? Qual é a forma mais eficiente de se atingir algo estético, moral ou até mesmo filosófico? Mas o bom mesmo é que seja prático.
Alguém aqui quer saber sobre a destruição do seu atelier em Pequim. Na verdade, este é o segundo atelier, porque o de Xangai também foi destruído. Por quê?
Ai Weiwei: Na China, se você constrói alguma coisa, alguém vai lá e destrói. É muito comum. Nos últimos 30 anos, a China já destruiu várias Chinas e já reconstruiu várias outras novas Chinas.
A cada ano, Beijing constrói a mesma quantidade da cidade de Pequim em 1949. Então, a cada ano, é como se acrescentassem mais uma cidade.
O desenvolvimento é rapidíssimo lá. Quase todo chinês que eu conheço já se mudou, ninguém mais mora na casa dos pais ou avós. Isso acontece com todos os chineses. Então, nós conseguimos ver toda essa grande destruição e reconstrução.
O meu atelier foi aberto com apoio do governo local, mas aí eles se deram conta que erraram ao me convidar, porque eu comecei a criticar muito o governo chinês.
Aí, chegou um ponto, pouco antes de eu terminar o meu atelier, que eles foram para lá de madrugada e começaram a destruir. Em poucos dias, estava totalmente demolido - e era bem grande, tinha 4 mil metros quadrados. Destruíram totalmente. Foi realmente uma grande surpresa.
Recentemente, destruíram outro atelier que eu tinha em Beijing, que era locado. Eu o usava já há doze anos e foi lá que produzi minhas grandes obras. Aconteceu do mesmo jeito: chegaram sem aviso, levaram as máquinas, começaram a arrancar as janelas e destruir as paredes.
As pessoas sempre me perguntam qual é o motivo. Eu ainda não sei... O meu pai foi parar na cadeia e eu não sei o motivo. Não sei o motivo pelo qual eles me prenderam, não sei por que me soltaram.
Na China, a gente não pode perguntar o porquê das coisas. É uma sociedade autoritária. Eles são poderosos, porque não dizem o porquê. A racionalidade sempre pergunta por que, mas eles nunca dizem o motivo.
No ano que vem, fará 30 anos do massacre na praça Tian’anmen. Você acha que hoje estamos mais distantes da democracia do que há 30 anos?
Ai Weiwei: Já faz 30 anos, mas, nesses 30 anos, as pessoas que nasceram naquela época, ou as pessoas que nasceram depois não sabem que esse massacre aconteceu lá nessa praça, na capital. Ninguém sabe que pessoas morreram e tem gente que nem sabe que isso aconteceu.
Se você pergunta a jovens alunos, eles vão sacudir a cabeça, eles não vão saber do que você está falando.
A China conseguiu com êxito censurar todas essas informações, em relação a todos esses fatos históricos. Mesmo fatos modernos, como esse, que aconteceram lá no meio da capital do país. Ninguém fala sobre o assunto e, se você faz uma pergunta sobre isso, você vai para a cadeia. É assim que funciona até hoje.
Ao longo desses 70 anos, nenhum cidadão conseguiu votar. Nenhum cidadão chinês sabe o que significa votar. Eles dizem publicamente que representam as pessoas e que amam seu povo.
Não há judiciário independente. Todo caso é decidido pelo partido comunista, então, basicamente, não há justiça. Se o caso não é julgado de forma justa, isso significa que não há justiça. Consequentemente, esse tipo de sociedade pode durar centenas de anos, algumas centenas de anos.
Eles dão pouquíssima informação, não dão espaço para discussão de questões e você não tem direito ao voto. Tudo é passível de ser manipulado. E, inclusive, as pessoas podem acabar desaparecendo.
Tem gente que adora fazer negócios com esse tipo de governo. Qualquer governo gosta de trabalhar com o governo chinês, porque é muito fácil fechar um negócio com eles, pois não há processo democrático, não há avaliação do projeto.
Ai Weiwei chega ao Fronteiras do Pensamento São Paulo nesta quarta-feira (10/10). O projeto recebe Marcello Dantas como debatedor da noite, um dos mais importantes curadores do país.
Garanta sua participação no evento em São Paulo: (11) 3882.9180
Clique aqui para baixar o PDF gratuito do libreto sobre Weiwei. O libreto inclui breve biografia, links indicados e informações de destaque sobre o conferencista.
Ai Weiwei
Artista plástico, designer e cineasta