Ai Weiwei responde: "Sabemos muito e agimos pouco"

Postado em out. de 2018

Arte | Cultura | Ativismo e Causas Humanitárias

Ai Weiwei responde: "Sabemos muito e agimos pouco"

Fake news, democracia e a necessidade de atitude e de transformação. Ai Weiwei debateu estas e outras questões no Fronteiras São Paulo desta quarta-feira.


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Um dos principais nomes na defesa da liberdade de expressão e dos direitos humanos no cenário internacional, o artista e ativista chinês Ai Weiwei foi o conferencista do Fronteiras do Pensamento São Paulo na noite desta quarta-feira (10).

Weiwei, que já que viveu na pele a perseguição do Estado chinês por diversas vezes, trouxe relatos de sua infância pobre e das dificuldades que enfrentou em sua trajetória artística, devido à censura e ao cerceamento da liberdade na China.

O público também pôde conhecer, em primeira mão, detalhes de obras inéditas que estarão expostas na maior retrospectiva do artista no Brasil, Ai Weiwei Raiz, que abre para visitação a partir de 20 de outubro, no espaço Oca do Parque Ibirapuera.

Questionado sobre o impacto das fake news e os riscos que representam à democracia, Weiwei argumentou que somos bombardeados por inúmeras informações diariamente, temos de avaliar se são falsas ou reais, mas pouco agimos em relação isso.

“Se hoje nós sabemos muito mais do que antigamente, acabamos travados porque não conseguimos agir. Acho que este é o grande problema na sociedade moderna: nós sabemos demais e agimos de menos”, declarou o artista.

Após a conferência, Weiwei respondeu perguntas do público e de Marcello Dantas, mediador e curador da retrospectiva Ai Weiwei Raiz. Dentre as questões que recebemos, estava a Pergunta Braskem, enviada por vocês, nossos seguidores nos canais digitais. Confira abaixo esta e muitas outras respostas de Ai Weiwei.

Ai Weiwei responde: fake news, atitude e arte

Vivemos em uma era de realidade inventada e de mentiras disseminadas de acordo com a ideologia de cada um que está propagando. Como você acha que tudo isso tem efeito na sua arte e no mundo? Uma coincidência que o nome do estúdio é “fake”, não é?   

Ai Weiwei: Eu tive que registrar o meu estúdio, porque tem muitos requisitos. Você tem de ter uma empresa para poder receber um cheque, para receber um pagamento de um contrato. Então, eu tive que fazer um registro para poder fazer um comércio e dei vários nomes a essas empresas. Um dos nomes é “Fake”, mas em chinês é “Fuck”. Só que os oficiais chineses não sabem o que é “fuck”. Eles acham legal a palavra.

Nós temos uma empresa na China, e você escrevendo os ideogramas chineses, é Fuck, mas se você soletrar, é Fake. Os meus amigos dão risada e dizem “você é uma empresa real, mas você se chama Fake”.

Os chineses produzem muitas coisas fake. Na China antiga, aprender é copiar. Durante várias gerações, os mestres faziam com que seus alunos copiassem as pinturas de tinta. Cópia, lá, não é considerada falsa ou fraude. Eles acham que é arte. Então, na China, copiar uma arte não é um problema.

O famoso mestre chinês Chang Dai-chien, que passou o fim da vida dele aqui no Brasil, ficou mundialmente conhecido por suas pinturas falsas. Não que ele precisasse do dinheiro.

Ele estava tentando simplesmente provar que ele era melhor, que ele era um especialista. Ele poderia dizer que pintava uma coisa, que usava o mesmo tipo de papel, de tinta e copiava uma coisa de 300 ou 400 anos atrás. E essas pinturas falsas estão nos museus na China e até em Nova Iorque, no Metropolitan. A cópia é um trabalho de arte altamente valorizado.

Falar de fake news é completamente diferente. Hoje, se você falar sobre internet, nada pode ser realmente censurado. As pessoas podem pôr qualquer notícia no ar e é muito difícil verificar a origem.

Quando você lê alguma coisa, é preciso sempre perguntar “será que é verdadeiro? Será que é possível?”.

Hoje, a gente lê estatísticas sobre o Brasil de que há 60 mil pessoas sendo assassinadas e que 90% desses casos nunca foram investigados. Nunca há um resultado ou conclusão. Todos os dias, há 100 ou 200 pessoas sendo mortas.

Você lê essas notícias e percebe que metade dessas pessoas foram mortas pela polícia. E você balança a cabeça e pensa: “não, isso não é possível, será que é verdade? ”

Todo dia é um desafio: o que é realidade e o que é fake news? Será que isso nos faz mais inteligentes ou menos inteligentes?

O problema real é o impacto que essas informações têm sobre nós. Se hoje sabemos muito mais do que antigamente, acabamos travados porque não conseguimos agir por causa das emoções. A gente fala “não acredito que isso aconteceu”, aí você fala “ah, deixa pra lá”.

Nós temos que ter capacidade e vontade de agir para tentar ser parte de uma mudança, em vez de simplesmente ficarmos sentados esperando as coisas acontecerem. Acho que este é o grande problema na sociedade moderna: nós sabemos demais e agimos de menos.

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Você conhece um projeto chamado Dragonfly, uma versão chinesa do Google que tem conhecimento total sobre o comportamento dos usuários? O que vai acontecer? As empresas que pretendem entrar na China terão que ser desafiadas pelos seus próprios valores de liberdade? Será que é possível proteger a liberdade e ter acordos com a China ao mesmo tempo?

Ai Weiwei: Esse argumento do Google, de que tem que se dobrar às autoridades na China... Google e Facebook são proibidos na China. Pelo padrão ocidental é inaceitável, mas, na China, nós nunca tivemos liberdade. Nunca.

Com ou sem Dragonfly, não vai mudar muito, porque é uma sociedade que não sabe o que é liberdade. Nunca tiveram o gosto da liberdade.

Basicamente, o judiciário e a polícia toda pertencem ao único partido que existe. Então, não há espaço para o que seria exercício da liberdade.

Na verdade, isso não afeta muito os chineses, porque nada pode ser feito. Eles criaram um sistema civil muito forte e eles exportam isso para muitos lugares que compartilham a mesma ideologia chinesa.

Você estudou cinema. Quais foram os diretores que te influenciaram, que te deram vontade de estudar cinema?

Ai Weiwei: Eu basicamente não fiz muita coisa. Fiz alguns documentários dos quais eu gosto, porque nos documentários eu procuro contar a verdade, chegar próximo à verdade.

Quando a gente fala de cinema, muitas vezes é ficção ou uma história, e eu não tenho muita paciência para escrever histórias, porque acho que a realidade é como a ficção. Eu sempre fico surpreso sobre o que nós vemos na realidade.

Eu não quero dar nomes que me influenciaram. Nenhum me influenciou, realmente.

E religião, o que significa religião para você?

Ai Weiwei: A China não tem religião própria. Antigamente, existia o budismo, mas não o budismo real. É só quando a pessoa fica rica ou quer ter um bebê que eles vão aos templos para pedir pelo amor de Deus para ter um filho homem. Isso não é religião. Não há uma prática religiosa na China.

Lá, há muitos templos e as pessoas dão dinheiro para os templos, mas o significado de religião não existe.

Eu acho que religião deveria criar um mundo diferente, que nos faça sentir humildes, que nos faça sentir que há um poder, um poder criador, que criou esse mistério, o mistério da vida e o mistério da condição humana.

Mas, muitas vezes, as religiões só dividem as pessoas para dizer “nós somos diferentes”, e criam muito ódio.

O que você diria como conselho para um jovem artista?

Ai Weiwei: O meu conselho é: não aceite meu conselho, não ouça meu conselho.

Quando eu era jovem, eu era muito frustrado, muito infeliz com tudo, muito insatisfeito com a minha vida. Eu era muito crítico, mas, ao mesmo tempo, eu era muito pobre. Isso é muito importante, você precisa se proteger. Se você for muito pobre, você precisa pensar que você tem um valor.

Mas, isso não me levou a nada. Só muito tarde na vida eu acho que me tornei mais esperto, com mais experiência. Mas, hoje, eu tenho muito menos energia.

Então, a fatalidade é essa: você se acha mais inteligente, mas não tem mais energia e você nem curte muito as coisas.

Quando você tem muita energia, aí você tem muita frustração e você nunca está satisfeito quando é jovem. Então, não posso dar um conselho. É melhor ficar sempre jovem, mas a sua mentalidade pode ficar velha e você se manter jovem. Só que isso é impossível.

 

O que você teme? Qual é o seu medo?

Ai Weiwei: Acho que meu maior temor é que eu não tenha mais a alegria de ser como eu sou, um ser humano.

Se eu perder a curiosidade, se eu perder o desejo de fazer alguma coisa, isso seria um problema real. Você vem a este mundo e nem sempre tem interesse sobre o mundo, sobre as pessoas, seus parentes, seus amigos ou seu trabalho. Não é necessário que você tenha interesse sobre tudo. Mas, se você perder o interesse por tudo, é o final.

Eu não tenho medo, mas acho que não ter mais curiosidade e alegria... Bom, aí eu teria que tomar uma decisão de acabar com a minha vida, porque não traz nenhuma coisa nova, nenhum sentimento novo.

O que você gosta de cozinhar?

Ai Weiwei: Depende da minha fome.... As pessoas sempre dizem, ao ver minhas fotos comendo McDonald’s, que acham que estou promovendo McDonald’s. Não! De jeito nenhum! É muito conveniente comprar uma batata frita. Quando estou com muita fome eu como mesmo.

Como você vê preconceito, racismo e atos violentos contra homossexuais, mulheres, negros e outras minorias? De que maneira você acha que esse discurso, vindo de um talvez possível presidente em um país tão diverso como o Brasil, vai afetar o comportamento das pessoas, de maneira geral?

Ai Weiwei: Bem, eu acho que preconceito e ódio contra qualquer outro ser humano, de qualquer forma, é malévolo e só mostra a ignorância das pessoas.

Nós somos todos seres humanos, não temos diferenças entre nós. Uns são ricos, uns são pobres, uns são mais educados, ou têm uma situação familiar diferente, mas nós somos todos iguais.

Isso, sobre o sexo, a preferência sexual, não deve nem ser um assunto para se falar. Eu não sei por que as pessoas usam isso contra os outros. É um assunto privado, são direitos essenciais de cada ser humano. Cada um escolhe com quem quer compartilhar sua vida, com quem quer compartilhar seus sentimentos mais profundos.

Eu, que não sou homossexual, muitas vezes sinto por não ser homossexual. Eu gostaria de ser, ou ser negro, por exemplo, pois há tantas coisas que eu não sei, há tantas coisas que a gente não consegue nem imaginar.

Ter curiosidade em relação a isso é aceitável, mas ter ódio contra comportamentos humanos que são diferentes é inaceitável. Não faz parte da sociedade moderna e nos faz retroceder mil anos atrás. Muitas vezes, não sei nem como argumentar com pessoas que pensam assim.

Você gostaria de tirar uma selfie com quem?

Ai Weiwei: Qualquer pessoa.... Às vezes, conheço uma pessoa muito tímida e ela chega e pergunta: posso tirar uma selfie com você? Acham que é uma coisa que não é educada. Eu acho a selfie uma coisa linda, porque, durante um segundo, os dois rostos se tornam um.

Eu posso fazer 100 por dia e isso fica no telefone das pessoas. Às vezes, uma pessoa chega para mim e fala: “minha filha tirou uma selfie com você e, se eu não tirar uma selfie com você, meu filho vai reclamar”. Aí eu digo “tá bom, vem aqui, vamos tirar uma selfie”, e resolvido, e depois a pessoa fala tá bom, obrigada, tchau.  E na próxima vez que a gente se encontra, a pessoa volta e fala: “Três anos atrás, você lembra que eu tirei uma selfie com você? ”, eu digo: “sim, é verdade”, mas é claro que eu não lembro. Não posso negar, mas não lembro, de jeito nenhum.

Quem merece o seu dedo agora?

Eu, a mim mesmo. Era um gesto muito feio mostrar o terceiro dedo, mas, hoje em dia, acho uma coisa bonita. Acho que pertence ao povo. É uma coisa compartilhada por todos. Muitas vezes, mostra a atitude do indivíduo com relação ao poder, ou uma condição que a pessoa está insatisfeita. É um gesto que não é violento, se não passar de mostrar o dedo para a pessoa. É um gesto. Eu não ligo, não.

libreto ai weiwei

Clique aqui para baixar o PDF gratuito do libreto sobre Weiwei. O libreto inclui breve biografia, links indicados e informações de destaque sobre o conferencista.

 

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Ai Weiwei

Ai Weiwei

Artista plástico, designer e cineasta

Autor de obras irreverentes, usa cinema e internet como instrumentos de ativismo e de crítica ao governo da China.
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