Postado em jul. de 2013
Filosofia | Educação | Sociedade
Alain de Botton: resgatando a vida intelectual para a posteridade
Filósofo suíço e criador da School of Life, Alain de Botton critica o sistema de ensino contemporâneo e imagina, com base na história da educação, a universidade ideal.
Por Alain de Botton, filósofo suíço, criador da The School of Life: Se você for a qualquer universidade do país e disser que veio aprender a viver, provavelmente lhe mostrarão a porta de saída – ou até mesmo o caminho para uma clínica psiquiátrica. Universidades têm como objetivo o trabalho de treiná-lo para uma carreira específica (direito, medicina) ou lhe dar uma base "nas humanidades" – mas sem razão reconhecível, apenas uma vaga e pouco abordada noção de que alguns anos estudando os clássicos ou lendo Middlemarch: um estudo da vida provinciana pode ser uma boa ideia.
A universidade contemporânea é um amálgama desconfortável de ambições antes propostas por uma variedade de instituições educacionais. Deve muito às escolas de filosofia da Antiga Grécia e Roma, aos monastérios da Idade Média, às faculdades de teologia de Paris, Pádua e Bolonha e aos laboratórios de pesquisa da ciência moderna.
Um dos legados deste contexto heterogêneo é que os acadêmicos das humanidades têm sido forçados a disfarçar, tanto para si mesmos quanto para seus alunos que este estudo realmente importa – por causa do lucro e do prestígio em um mundo obcecado com as conquistas da ciência e incapaz de encontrar uma maneira sensível de medir o valor de um romance ou de um livro de história.
O grande problema para qualquer pessoa em um departamento de história ou de inglês, atualmente, é que a ciência foi bem-sucedida demais. A ciência conserta seu carro, envia espaçonaves para Marte e transforma a luz do sol em eletricidade. Em outros termos, a ciência tem valor porque nos dá controle sobre o destino, enquanto, nas desafiadoras palavras de W. H. Auden, “a poesia nada faz acontecer". A posição de Auden pode ser um heroico grito para o poeta autônomo, mas é mais alarmante enquanto descrição profissional para um jovem acadêmico que acaba de concluir seu doutorado nas referências bíblicas de Percy Bysshe Shelley.
A resposta dos departamentos de humanidades à sua ansiedade é imitar seus colegas de física ou astronomia – em um movimento positivo a curto prazo, mas que arrisca asfixiar certas matérias ao longo do tempo. Acadêmicos nas artes decidiram que eles também deveriam ser vistos como “pesquisadores" e que seu valor principal deveria vir da capacidade de desvendar novas coisas, como químicos descobrem novas estruturas moleculares. Existem ocasiões em que isso se torna visível, quando eruditos fazem descobertas que são comparadas a grandes revelações científicas, mas certamente isso representa uma distorção do valor da arte, tornando-a totalmente dependente do factual e do avaliativo.Fazê-lo é se comportar como um homem que se apaixonou profundamente e pergunta à sua companheira se pode agir com base em suas emoções medindo a distância entre sua sobrancelha e sua omoplata. Na academia contemporânea, um historiador da arte, ao ser motivado às lágrimas pela sensibilidade e serenidade que detecta em uma obra de algum pintor florentino do século 14, geralmente acaba expressando suas emoções com alguma monografia, tão indefectível quanto fria, sobre a história da pintura na era de Giotto.
Foi no século 16 que o maior antiacadêmico do Oeste lançou seu ataque sobre o viés das universidades. Michel de Montaigne, que tinha um conhecimento enciclopédico de todos os grandes textos, condenou a maneira com que os acadêmicos privilegiavam o aprendizado sobre a sabedoria. “Regresso de boa vontade ao tema do absurdo da nossa educação: a sua finalidade não foi a de nos tornar bons ou sábios, mas a de aprendermos. E conseguiu. Não nos ensinou a buscar a virtude e a abraçar a sabedoria: imprimiu em nós a nossa derivação e sua etimologia... Perguntamos de imediato, 'Sabe grego ou latim?' 'É' capaz de escrever poesia ou prosa?' Mas o que importa mais é o que vamos dizer a seguir: 'Tornou-se melhor e mais sábio?' Deveríamos descobrir não quem compreende mais, mas quem compreendo melhor. Trabalhamos simplesmente para encher a memória, deixando vazios os sentidos de certo e errado."
Em momentos de lazer, sonho com um tipo ideal de instituição em que poderemos dar boas-vindas a Montaigne, Nietzsche, Goethe ou Kierkegaard – uma Universidade da Vida, que dará aos alunos as ferramentas para se tornarem mestres de suas próprias vidas por meio do estudo da cultura em vez de usar a cultura para passar em um exame. Esta Universidade da Vida (que seria equipada com um belo logo, cafeteria e várias sedes) se inspiraria nas tradicionais áreas do conhecimento (história, literatura, arte), mas direcionaria suas matérias para preocupações ativas (como escolher uma carreira, conduzir um relacionamento, despedir um funcionário ou se preparar para a morte).
A universidade nunca diminuiria a importância da cultura. Saberia que a cultura é mantida viva por um constante e respeitoso questionamento – não por uma excessiva e esnobe atitude de respeito. Portanto, em vez de deixar em branco o porquê de alguém ler Anna Karenina ou Madame Bovary, o curso ideal sobre a literatura do século 19 simplesmente perguntaria: “o que há no adultério que arruína o casamento?"
Alunos desta Universidade da Vida acabariam conhecendo o mesmo material que seus colegas de outras instituições, apenas teriam aprendido sob outras luzes. No cronograma da universidade ideal, não haveria matérias como “filosofia", “francês", “história" e “os clássicos". Você poderia se inscrever em cursos como “morte", “casamento", “escolhendo uma profissão", “ambição", “educação infantil" ou “transformando seu mundo". Frequentemente, estas investidas diretas nas grandes questões são abandonadas em nome dos esforços de segunda mão de gurus e palestrantes motivacionais. É hora da alta cultura se reapropriar das grandes questões e considerá-las com o rigor e com a seriedade deixados de lado demais pelos tópicos de menor relevância.A Academia de Platão, montada em um contexto bucólico de Atenas 387 A.C, permanece como o melhor modelo para os sonhadores da Universidade da Vida. A intenção do filósofo grego foi, amplamente falando, política. Ele acreditava na civilização e no poder do pensamento racional e sentia que estes estavam sendo prejudicados pelas forças corruptas de sua era, também pelos políticos que dominavam os assuntos atenienses. O filósofo imaginava sua universidade como uma chance de mudar a opinião e de realizar no mundo as mesmas manobras de higiene intelectual que ele praticava em muitos de seus livros.
A crença de Platão, de que sábios livros podem não ser suficientes, parece estar certa, ao menos para mim. Por mais que alguém esteja convencido sobre o comprometimento de examinar a vida intelectualmente, ele corre o risco de se tornar um devoto confiante apenas nisso, sendo rotineiramente afirmado por instituições públicas como revistas, emissoras de televisão e universidades. Correndo o risco de sermos corrompidos pelos lugares-comuns das nossas sociedades, precisamos de locais onde as aspirações de dentro de nós alcancem alguma confirmação dos influentes corpos à nossa volta.
É comum aceitarmos que os novos desejos e necessidades pautem os negócios. Então, parece certo que as nossas múltiplas necessidades culturais, muitas das quais ainda são pobremente servidas mesmo nesta era tão rica, devam também ser regidas por instituições originais que servirão nossas aspirações intelectuais mais profundas. Continuarei o sonho de um mundo sensivelmente preparado com a Universidade da Vida.
(Originalmente publicado pela Standpoint Magazine)
Alain de Botton
Filósofo