Postado em out. de 2015
Educação | Sociedade | Psicologia e Saúde Mental
Contardo Calligaris responde a Pergunta Braskem: pelo direito da criança ao tédio
Contardo Calligaris discute a estrutura das salas de aula e dos cronogramas do sistema educacional. Para Calligaris, é importante estimular períodos de solidão e vazio nas crianças.
Psicanalista italiano, Contardo Calligaris foi o conferencista desta quinta-feira (01) da edição especial do Fronteiras do Pensamento, em Salvador. Calligaris fechou o ciclo de conferências deste ano, que recebeu, também, Manuel Castells (12/5) e Luc Ferry (16/9).
Calligaris intitulou sua fala de Por que viver juntos?, em resposta ao tema proposto pelo Fronteiras 2015, Como viver juntos. O psicanalista defendeu que, em um mundo em que estamos sempre rodeados de pessoas – seja presencial ou virtualmente – é importante estimular o prazer de se estar só: “A ética da distância é importante quando somos obrigados a conviver. Distância é muito importante no convívio social. Uma boa convivência passa por largos espaços de silêncio."
Após sua conferência, Contardo Calligaris respondeu a Pergunta Braskem, iniciativa em que os seguidores do Fronteiras de todo país enviam perguntas aos convidados para o e-mail digital@fronteiras.com. Desta vez, a questão selecionada veio de Joelma Felix Brandão. Confira abaixo:
Joelma Felix Brandão: Sou educadora e trabalho numa escola de turno integral onde crianças de 06 a 11 anos ficam juntas em turmas de 30 a 35 alunos durante cinco dias da semana por um período de 9h por dia. Há algum prejuízo ao desenvolvimento intelectual e emocional de um criança que é obrigada a conviver coletivamente com tantas outras sem experimentar/vivenciar um momento sozinha para o próprio autoconhecimento?
Contardo Calligaris: Eu não chegaria a dizer que há um prejuízo, eu não diria isso a ninguém, mas eu realmente preferiria que nosso sistema educacional reservasse o direito ao tédio. Acho que no ECA, no Estatuto da Criança e do Adolescente, deveria ser incluído o direito da criança ao tédio. Sabe aquela coisa “O que você vai fazer agora?", “Às 17h, você vai fazer o quê?", “Qual é o programa?", não há tempos vazios. Os adultos têm realmente uma espécie de horror diante da ideia de que a criança ficará no vazio.
Calligaris também foi questionado sobre o tema do Fronteiras, Como viver juntos, trazendo à luz as ideias de outro conferencista do Fronteiras 2015, Richard Sennett. Leia abaixo:
A questão é definir o conceito de "juntos". Por exemplo, o livro de Richard Sennett, que se chama Juntos, e Sennett é um sociólogo por quem eu tenho muita consideração, desde as primeiras coisas dele sobre a queda do homem público, são livros cruciais para mim, na minha formação. Mas, Sennett fala de algo que não tem nada a ver com esse "estar juntinho", ele fala que podemos ser indivíduos bem separados e encontrar maneiras de cooperar.
Sennett fala que, para que encontremos maneiras de cooperar, temos que parar de "estarmos juntinhos" em tribos. Ele fala justamente que o tribal é o que tem de pior na vida social. Se "juntos" significa pertencer à mesma torcida, daí, realmente, acho horroroso.
Vou explicar: vocês se lembram dos quatro jovens que mataram o índio galdino em Brasília? Tinha um índio que acabava de vir para Brasília para uma reunião, mas ele não tinha onde dormir e foi dormir num abrigo de ônibus. Os jovens, no meio da noite, passaram lá, molharam o índio de gasolina e, depois, colocaram fogo nele. Não há dúvida de que eram quatro idiotas, mas a questão é a seguinte: nenhum deles sozinho teria feito isso. Nenhum deles. Precisavam ser os quatro juntos. O plural, o juntos, os quatro amigos, aquilo é a fonte do horror.
Em qualquer situação coletiva que, por qualquer tipo de tentação de cumplicidade com o que os outros estão dizendo, eu perco a vontade de não concordar... Pra mim, isso é o que eu mais receio na vida. Sinto vontade de ir embora na hora. Aquela coisa que você sente que estão falando besteiras, mas "ah, estamos aqui entre amigos..." Aquela fala de padaria, aquela fala que, daqui a pouco, vai ser racista, machista, mas você "ah, tá legal, vamos tomar mais uma". Qualquer situação dessas e que você não diz "eu acho vocês umas bestas. O que vocês estão falando é merda". Se você não tem a coragem de dizer isso porque entrou na zona da cumplicidade coletiva, este é realmente o momento de levantar e ir embora.
Acho que juntos, nesse sentido, é o mal.
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Contardo Calligaris
Psicanalista e cronista