Deirdre McCloskey responde: empatia, individualidade e o enriquecimento de todos

Postado em nov. de 2017

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Deirdre McCloskey responde: empatia, individualidade e o enriquecimento de todos

Economista norte-americana foi a conferencista do Fronteiras do Pensamento desta semana. Após sua fala, "O Grande Enriquecimento", respondeu a pergunta enviada por nossos seguidores.


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Para alcançar avanços econômicos e enriquecimento para a sociedade como um todo, a liberdade é o primeiro pré-requisito. Esta foi a base da conferência de Deirdre McCloskey no Fronteiras do Pensamento, intitulada O grande enriquecimento

McCloskey sustentou que o grande enriquecimento ao redor do mundo, a partir de 1800, foi gerado pelas inovações que surgiram a partir da justiça e da liberdade: “Temos que oferecer a todos os indivíduos o mesmo ponto de partida, e então deixá-los em paz”, argumentou. "O que acontece quando você liberta as pessoas? Uma enorme inovação. Quando você liberta as pessoas, você tem grandes massas inovando. A partir do liberalismo, houve essa massiva inovação. Essa é a explicação para o moderno crescimento econômico", afirmou.

O FUTURO DO BRASIL | Deirdre mostrou números aproximados de gerações que projetam quanto tempo os países precisariam para alcançar a renda real per capita dos Estados Unidos hoje. China e Chile demorariam uma geração. Já a Índia seria em duas. No entanto, o Brasil precisaria de cinco gerações para atingir o mesmo índice dos norte-americanos. “Os países que adotam o livre comércio levam vantagem. No caso dos brasileiros, é preciso valorizar mais as pessoas. Aquelas que têm dinheiro são julgadas. É preciso deixar claro que empresas produtivas fazem bem ao país", defendeu. Leia mais sobre o Brasil nas respostas da conferencista.

PERGUNTAS E RESPOSTAS | Após sua fala, Deirdre McCloskey respondeu as questões do público. Dentre elas, estava a Pergunta Braskem, enviada pelos seguidores do Fronteiras nas mídias digitais. Confira a resposta da convidada a esta e a outras questões, apresentadas no palco do projeto.

A individualidade é um valor fundamental na busca por liberdade e enriquecimento. E a senhora se classifica como uma liberal cristã. Levando em conta que a empatia é cada vez mais necessária no mundo atual, só conseguiríamos alcançá-la por meio da religião? Como estar atento ao outro e enaltecer a liberdade e o enriquecimento que se originam do ego, do eu?

Quem fez esta pergunta deve ser muito culta, deve estar pensando em Marx, em Weber. Na obra A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. Foi um dos melhores livros do século passado, maravilhoso. Mas, como muitas vezes na ciência, ele está errado. Ele está errado teologicamente, como historiador ele estava errado, na economia ele está errado. 

Ele acha que existe uma mudança psicológica que fez com que o calvinistas, sobretudo, trabalhassem arduamente, mas todo mundo é trabalhador. No nordeste brasileiro, nas plantações de café, as pessoas trabalham arduamente, mas isso não causou um crescimento econômico necessariamente.

Existe esta crença que o cristianismo tenha um individualismo. Há muitos problema neste argumento, ele não explica o mundo moderno, porque o mundo moderno só aconteceu nos últimos dois séculos. Se o cristianismo fosse essa religião individualista, talvez seja talvez não, mas por que o Grande Enriquecimento não aconteceu no império romano então? O que tem de diferente agora?

E nos outros lugares, que não são individualistas, como a Índia ou a China conseguem crescer de 4 a 10% ao ano? Não aho que o cristianismo, em si, auxilie o crescimento econômico. Não foi assim há cinco séculos. Se fosse assim, os cristãos na Síria, os coptas, os ortodoxos na Grécia ou na Rússia ou até mesmo os católicos nas eras modernas iniciais teriam criado essa riqueza.

Em Amsterdã, em 1600, um terço dos empresários era católico. Não é o catolicismo em si, é a hierarquia da igreja, é ter uma meta na sua vida espiritual. Não acho que o cristianismo tenha muito a ver não. 

Confira abaixo outras respostas de Deirdre McCloskey

É possível ver, claramente, uma evolução na sua obra ao longo do tempo. Lemos todos os seus livros e ficamos maravilhados, principalmente com a última obra, a trilogia. O que aconteceu nestes anos, digo, como ficou mais sábia?

O que sinto, basicamente, o que acho cada vez mais é que temos que analisar todas as evidências. Na história, economia, sociologia, literatura, poesia, teatro, jornalismo. Temos que analisar a experiência humana como um todo para entender a experiência humana.

O problema, como sabemos, como historiadores da economia sabem, o modelo central da economia, principalmente depois da guerra, é muito estreita. Acha que os humanos são motores de maximizar as coisas.

Eu mudei meu gênero, mas todas as células do meu corpo são XY. Não consigo ter a experiência feminina nas células, mas eu me apresento como mulher e isso é suficiente para mim. Mudar de gênero teve um efeito sim na minha economia. Me fez pensar no mundo de uma forma mais ampla. Daí, me tornei cristã, moderada, anglicana episcopal, e isso também teve influência em mim. Eu li muita teologia.

Tudo isso ampliou meus horizontes de muitas formas. Meu pai também era acadêmico. Minha mãe era cantora de ópera e poeta. Eles sempre acreditaram neste modelo do pensador completo, não o especialista. Eu não sou contra a especialização, imagina, eu sou economista, como seria contra ela? Mas, acho que é necessário tentar uma união e é justamente isso que tento fazer nos livros.

A questão da desigualdade está posta com muita força no Brasil. O discurso do Piketty, evidentemente, impactou bastante o país, porque é uma nação muito desigual. Então, parece ser um imperativo moral, buscar mais dinheiro dos ricos para dar uma vida melhor aos pobres. No Brasil, com as desigualdades intensas, sociais, educacionais, pessoas muito mais despreparadas do que outras para enfrentar as inovações, como o liberalismo econômico pode ser desenvolvido?  

O foco na desigualdade é extremamente perigoso. Mencionei o caso da Índia, nas 40 décadas após a independência, onde se queria promover a igualdade, mas o que se fez foi suprimir o crescimento econômico. Agora, em duas gerações, ou seja, 40 anos, a Índia vai ter a renda média semelhante aos que os EUA têm hoje. Isso se a Índia continuar a crescer 4,5% ao ano.

Na taxa de crescimento que o Brasil tem tido, desde 1990, vão ser necessárias cinco gerações para o Brasil chegar à renda per capita que os EUA têm hoje. Então, se vocês adotassem aqui as políticas indianas, parassem de proteger indústrias, parassem de interferir na negociação de salários, enfim, parassem de prejudicar a economia com tantas políticas... Não haverá motivo algum para o Brasil não crescer, também, 4,5% ao ano.

Um dos motivos para tanta desigualdade no Brasil, bom, se houvesse uma moviemtnação do nordeste para o resto do país, como aconteceu no século XIX, com o capital agrícola ou com o café, se houvesse este acesso fácil... Ou se os empregos do eixo RJ-SP seguirem todos “protegidos”, você jamais vai conseguir vencer a desigualdade.

A maior solução para o problema dos pobres é a geração de dinheiro. Parece óbvio, não? Mas tirar do rico para dar para o pobre, bom... Ok, eu entendo os motivos. Mas entendo mais ainda tirar este dinheiro dos ladrões, dos corruptos, entendo até tirar das heranças até certo ponto. Mas isso não salvará os pobres. Você salva o pobre deixando que ele trabalhe. Trabalhe de fato. Tentar ter esta visão estática da economia, pegar o dinheiro existente dos ricos e repassá-lo ao pobre, isso resolveria o problema?

Bernie Sanders, nos EUA, ou Jeremy Corbyn, na Inglaterra, estes socialistas antiquados, em 1961, tínhamos todos as mesmas ideias, éramos todos marxistas, mas superei isso, porque não tem aplicação prática. Não sou contra impostos para ricos, acho sim que eles têm que pagar mais, tudo bem. O que digo é que igualdade não é o valor máximo a ser buscado, temos que buscar o enriquecimento de todos. Um grande enriquecimento.

Cometemos alguns erros econômicos, ainda acreditamos no Governo, a gente acha que o Governo vai resolver nossos problemas... O que podemos fazer para mudar este software relativo ao crescimento e à prosperidade?

Muita gente acha isso, até nos EUA. Tem muito a ver com a Intelligentsia do país. São necessárias mudanças ideológicas. Na mentalidade das pessoas. Se todos aqui neste teatro fossem para casa acreditando no poder da liberdade, poderíamos ter um impacto no Brasil. Aqui, há líderes de opinião, pessoas com amigos, você conversaria... Isso já aconteceu antes. O liberalismo, a causa do mundo moderno, é algo que aconteceu a partir de 1700 e foi confirmado nos séculos seguintes. A ideologia das pessoas mudou. Elas pararam de achar que a única forma de ter influência era ter um amigo no poder, lá em cima na hierarquia. 

Essa ideia hierárquica, em geral, conhecemos muito bem. O "Quem Indica"... O Quem Indica é corrupção. A pergunta não deve ser "quem você conhece?", e sim "o que você consegue fazer?" Isso já aconteceu, é possível mudar a ideologia. É um trabalho duro, mas é o trabalho do jornalista, dos professores universitários, dos cantores, cineastas, do cinema como um todo. 

Na Índia, um aluno meu fez uma pesquisa brilhantes analisando os filmes de Bollywood. Nos anos 1950 e 1960, os vilões eram os empresários nos filmes e os heróis eram os administradores governamentais. Daí, as coisas começaram a mudar. Nos anos 1970, 1980, isso se inverteu. Bollywood é a maior indústria cinematográfica do mundo e tem muita influência. Em 1991, [Manmohan] Singh assumiu e a Índia começou a crescer. 

É uma mudança espiritual, por assim dizer, é ideológica. Também, tem a ver com nosso discurso, sobre como nós falamos sobre os empresários. Se você fala sobre eles como se fossem ladrões, apaixonados por tráfico de influências... Claro, isso pode ser verdade. Mas, se habitualmente desvalorizarmos os criativos da comunidade, os empreendedores... 

Imagina o que aconteceria se fizéssemos a mesma coisa com a arte? Imagina se houvesse um planejamento central da arte? Imagina o Governo planejando o jornalismo. Todos sabemos que isso seria terrível. Mas, por que fazemos isso com os empreendedores?

Para um país com um enriquecimento mais insuficiente, e que pode ser atropelado por essa grande revolução tecnológica, pela economia digital, que vai provavelmente tirar muitos empregos com processos de robotização, não podemos ser o “rust belt” num sistema global?

Não, não, não. Você está errada, errada. Falei recentemente para uma revista sobre isso, “os robôs estão vindo!” e surge aquela música de filme de terror... Muitos engenheiros falam essas coisas, e alguns economistas também, mas não muitos.

É uma ideia tola, porque todas as ferramentas que existem são robôs. Em africâner, a palavra “robô” significa “semáforo”, porque substituiu o homem que ficava ali no cruzamento, com suas luvinhas brancas falando para quando parar ou seguir.

A roda é um robô. O carro substituiu os animais, as carroças. É tudo robô. O desemprego tecnológico nunca aconteceu e não acontecerá. Não de forma maciça.

Nos EUA, anualmente, 14% dos empregos desaparecem para sempre. 14%. Todos os anos. Obsoletos. No ano 2000, 180 mil americanos trabalhavam em vídeo locadoras. Onde estão eles hoje?

Numa economia dinâmica, novos empregos estão sempre sendo inventados e os antigos desaparecem. Até mesmo o meu emprego, que é conservador, professora universitária, já mudou muito ao longo do tempo. O jornalismo se transformou muito. Empregos somem, mas novos são criados. Isso acontece no mundo inteiro.

Lembre-se: 14% dos empregos desaparecem. Se a economia não fosse dinâmica, em seis ou sete anos, estaríamos todos desempregados. Estaríamos todos sentados nas esquinas. Mas, me repito, nunca aconteceu e não acontecerá. 


O próximo conferencista do Fronteiras do Pensamento é o historiador Niall Ferguson, um dos mais renomados historiadores da Grã-Bretanha. Professor e pesquisador na Universidade de Stanford, é autor de 14 livros, incluindo Império – Como os britânicos fizeram o mundo moderno A ascensão do dinheiro – A história financeira do mundo. Ferguson sobe ao palco do Fronteiras no final de novembro.

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Deirdre McCloskey

Deirdre McCloskey

Economista

Ícone na economia de livre mercado, na ética e na defesa de pessoas transgênero.
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