Postado em mai. de 2018
Filosofia | Sociedade | Ciência | Psicologia e Saúde Mental
Joshua Greene responde: a greve dos caminhoneiros e a corrida pelo estoque
Seria a população brasileira individualista por correr ao supermercado e ao posto de gasolina "garantir o seu" em tempos de greve dos caminhoneiros? Joshua Greene responde.
Professor de psicologia e pesquisador da Universidade de Harvard, Joshua Greene foi o conferencista do Fronteiras do Pensamento São Paulo desta quarta-feira (30), no Teatro Santander.
Greene desenvolveu sua fala a partir das pesquisas que tem desenvolvido para investigar os modos pelos quais as decisões morais são processadas pela mente humana. O resultado dessa abordagem está em Moral tribes: emotion, reason, and the gap between us and them (Tribos Morais, a ser lançado em breve pela Editora Record). Na obra, além de identificar as diferenças entre as emoções morais e as decisões que seriam tomadas apenas racionalmente, Greene consegue mapear problemas morais modernos que, por requererem coordenação complexa em sociedades plurais e diversificadas – com diversas “tribos morais” – tornam-se de difícil solução.
Após sua fala, Joshua Greene respondeu perguntas do público. Dentre elas, estava a Pergunta Braskem, enviada pelos seguidores do Fronteiras do Pensamento nas mídias digitais. Confira abaixo esta e outras respostas:
O Brasil viveu um caso recente de greve nos transportes. Sofreu um desabastecimento e as pessoas correram para os supermercados, em muitas cidades, e compraram mais do que o necessário de mantimentos, esgotando os estoques de pão e água, por exemplo. O que isso diz sobre a nossa civilização ocidental? Somos sempre individualistas numa crise?
A pessoa que escreveu essa pergunta era uma pessoa muito observadora, porque isso é uma situação em que você tem que decidir: eu vou fazer o que é bom para mim ou o que é bom para os outros? O que eu diria é que não é tanto se as pessoas são boas ou ruins, mas mais qual a confiança que as pessoas têm no sistema que está à nossa volta. Porque, se você achar que a única forma de você se salvar é pegar mais comida do supermercado, você fará isso para salvar a sua família. Mas, se você levasse só um pouco e tudo desse certo, você iria colaborar. A pessoa que fez a pergunta é um exemplo maravilhoso da tragédia dos comuns.
Quero apenas acrescentar que não é tão simples assim dizer que as pessoas agiram bem ou mal. Não é cada família só por si. Mas a pergunta é como fazer uma sociedade em que as pessoas tenham mais confiança, pessoas que estão dispostas a dizer "eu vou pegar só o que preciso para mim, porque eu acredito no sistema e nas instituições". E como fazer isso? Eu acho que esse é o desafio: não como fazer o bem, e sim como fazer um mundo melhor para que as pessoas possam ser boas.
Temos um país imaginário onde um presidente sofreu impeachment. Em relação ao impeachment, temos em jogo duas tribos que acreditam em coisas totalmente diferentes. Como é possível que os “nortistas” e “sulistas” se entendam nesse caso, dado que eles não concordam com a coisa básica: se houve crime ou não houve. Como a moral pode servir de ferramenta para resolver o problema das tribos nesse país imaginário?
Onde poderia ser esse país? (risos) Eu não sei.... Acho que é um caso muito interessante em que se ilustra como é difícil resolver esse problema. Quando você consegue o impeachment da pessoa o problema já está ali, a pergunta é como criar a circunstância em que possa haver fatos comuns? Nos Estados Unidos, durante muitos anos, houve o Walter Cronkite.
Quem conhece Walter Cronkite? Aqui no Brasil o pessoal o conhece. Ele era a pessoa mais confiável. Toda noite, ele era o âncora do noticiário. Ele dizia como as coisas são. As pessoas tinham opiniões diferentes, mas era o noticiário da noite. Só que as notícias não eram imparciais, eram o oposto. Mas, toda vez, qualquer que seja o seu ponto de vista, uma nova fonte vai dizer o que você quer ouvir. E aí você se torna mais parcial, porque você ouviu uma coisa que os outros não ouviram e que talvez seja verdade. E você está num círculo onde cada um pode conseguir as informações apenas da fonte que vai dizer o que cada um quer ouvir. Chega um momento em que é como se as pessoas estivessem vivendo em outros mundos. Não são todos concordando com o que o noticiário está dizendo, as pessoas têm informações diferentes.
O maior desafio aqui no Brasil e nos Estados Unidos está em como usar a tecnologia, que pode unir as pessoas ou dividir as pessoas, para que ela tenha como tendência geral unir as pessoas com mais informação, em vez de dividi-las em mundos separados. E eu acho que é um problema muito difícil. Você não pode desinventar a internet, certo? Nós precisamos inventar novas maneiras de administrar a questão. Nós precisamos talvez de novas normas. Por exemplo: se meu primo está sempre escrevendo coisas que são falsas, eu preciso achar um jeito de dizer: você é meu primo, eu gosto de você, lhe respeito, valorizo, mas eu acho que o que você disse agora não é verdade. Deixa eu lhe mostrar o outro lado. Talvez, a gente precise de uma norma social diferente com relação às notícias falsas ou ao lixo na rua. Se você está andando e alguém joga lixo na rua, você vai olhar e dizer: por que você fez isso? Não faça isso! Pegue esse lixo. Talvez, nós precisemos de novas regras para pulverizar pelas nossas redes, para permitir que possamos estar mais próximos para agir da mesma maneira. Se nós operamos com fatos diferentes, é muito difícil a democracia funcionar bem.
Segundo uma pesquisa realizada em Harvard, onde você dá aulas, quando as pessoas divulgam fake news não querem buscar a verdade, querem mostrar que pertencem a um determinado grupo. Por que as pessoas têm tanta necessidade de mostrar que pertencem a um grupo? Isso foi sempre assim? Ou isso acontece mais agora por causa do fenômeno das redes sociais e do mundo digital?
Acho que a pessoas sempre quiseram fazer publicidade de suas virtudes. Tem gente que dá dinheiro para as igrejas ou está fazendo coisas boas para a sua cidade. Quando eles pedem dinheiro, eles não fazem isso de maneira privada, eles fazem isso de maneira pública para todo mundo poder ver quem vai contribuir e quem não vai contribuir, para eu poder mostrar que sou uma pessoa importante e boa para a nossa tribo.
Acredito que o contexto da internet amplifica tudo. Não há limites para que você mostre quão importante é, fazendo propaganda da sua fidelidade à sua tribo. E depois, é muito difícil você voltar atrás, é muito mais fácil você se calar do que pedir desculpas por algo que estava errado. A minha esperança é que nós possamos encontrar novas normas e novas expectativas para mostrar como é perigoso ficar espalhando informações falsas sem fazer esforço para saber o que é verdade e o que não é.
Alguns governantes são mais defensores do seu próprio país e da sua própria tribo, e há outros governantes que tentam agir um pouco como mediadores entre diferentes países, diferentes maneiras de pensar e diferentes tribos. Nessa reflexão, Obama seria mais esse grande mediador e Trump seria o defensor da sua tribo, um defensor dos Estados Unidos contra o resto do mundo. Você concorda com isso? E o fato do Obama ter sido mais um mediador do que um defensor foi muito ruim para ele nessa eleição?
Você tem toda razão. Obama tem ambos os papéis. Às vezes, ele tem que defender interesses americanos. Um exemplo disso é que ele foi muito criticado porque usou os drones para atacar o Iraque e muita gente falou: olha, você não poderia usar drones para matar as pessoas lá. E ele disse: o meu papel era defender as pessoas americanas e eu queria minimizar isso o máximo possível, o meu trabalho para proteger os americanos é mandar drones. Então ele protegeu os americanos, mas, em outros casos, em que tentou, por exemplo, mediar o conflito entre a Palestina e Israel e outras questões... Então, Obama tem esse papel duplo. Às vezes, ele diz: eu sou o presidente do Estados Unidos e eu preciso cuidar dos interesses dos americanos. Donald Trump, não. Ele só se preocupa com os interesses americanos e de seus apoiadores que são fiéis a ele. Acho que é razoável o presidente ter ambos os papéis. Gostaria muito que ele saísse do seu papel tribal um pouquinho mais do que ele faz.
A metamoralidade seria uma moral comum a todas as tribos e essa moral seria utilitarista. Voltando aos filósofos utilitaristas, que olham qual é a solução que dá o maior grau de felicidade ao maior número de pessoas, isso é possível mesmo? Uma metamoral mais realista não seria a democracia, em que os grupos não necessariamente precisam entrar em acordo, mas em que há eleições e uma hora um grupo ganha e outra hora outro grupo ganha e de uma certa maneira as tribos diferentes vão conseguindo conviver?
A democracia é uma coisa muito boa, mas não é um grupo de valores, é um processo. E as pessoas tem que votar, você precisa decidir. Uma democracia pode homologar qualquer política. A democracia é uma resposta parcial e você precisa de outros valores para dizer: na democracia, nós vamos votar para os nossos interesses tribais ou vamos votar para um ideal maior? E a outra pergunta é: quais seriam esses ideais? Acho que a democracia sozinha é incompleta.
Eu não gosto de falar de utilitarismo, que é o nome da filosofia, porque dá a ideia errada. As pessoas acham que utilitário é tintureiro, garagem, estacionamento. Então, a palavra é ruim. São direitos.
O utilitarismo como filosofia não é uma ideia que lhe deixa de peito inchado, com motivação. Mas, aquilo que promover o bem maior tem que ser colocado de uma maneira que possa motivar as pessoas, ligar as pessoas. A linguagem mais comum da moralidade é a linguagem dos direitos humanos. A coisa boa sobre direitos humanos é que você pode sair numa manifestação na rua, porque é uma coisa que mexe com as nossas emoções.
Mas, nem todos vão concordar sobre o que são direitos humanos. Tem gente que acha que a pena de morte é uma coisa boa, porque faz justiça. Outros são totalmente contra, porque dizem que a pena de morte é importante para as pessoas que violaram os direitos humanos de outros. Não há uma fórmula. Acho que ninguém resolveu isso ainda. O mais próximo que nós conseguimos é dizer: será que essa sociedade vive melhor com a pena de morte ou será que é melhor sem? Será que isso impede as pessoas de cometerem crimes ou será que isso simplesmente não resolve? Se nós resolvermos isso, não será uma filosofia utilitarista, será uma maneira de chegar a um conceito comum de direitos humanos que talvez faça o mundo mais feliz, eliminando o máximo possível do sofrimento.
Joshua Greene
Psicólogo, neurocientista e filósofo