Livro apresenta história oral do 11 de Setembro

Postado em ago. de 2021

Literatura | História

Livro apresenta história oral do 11 de Setembro

Neste artigo, Marcelo Perrone traz o livro recém publicado “O Único Avião no Céu – Uma História Oral do 11 de Setembro” do jornalista norte-americano Garrett M. Graff


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Tem a História que transcorre sobre a linha reta, avançando implacavelmente no tempo e deixando para trás eventos relevantes fixados na memória e impressos para a consulta das gerações futuras. Mas essa História, por vezes, parece girar sobre um círculo, reacendendo no presente episódios do passado, como se observa agora, às vésperas dos 20 anos do 11 de Setembro. Em 2001, os Estados Unidos colocaram em marcha a Guerra ao Terror para retaliar, no Afeganistão, os ataques que assombraram os norte-americanos em sua própria casa. Os alvos eram o regime do Talibã e os integrantes da organização fundamentalista islâmica Al-Qaeda ali abrigados. Varrido do mapa meses depois, o Talibã não apenas sobreviveu à sombra da nova ordem geopolítica desenhada pelo conflito, como está agora de volta ao poder. E é simbólico que essa reviravolta se dê no momento em que os EUA se preparam para reverenciar as vítimas dos atentados que remodelaram o mundo no ingresso ao Século 21 e, em vez de invadir, saem do Afeganistão às pressas.

Este episódio é tema de “O Único Avião no Céu – Uma História Oral do 11 de Setembro”, livro que acaba de ser lançado no Brasil pela editora Todavia. Publicado em 2019 nos EUA, o volume resulta de uma empreitada ambiciosa do jornalista norte-americano Garrett M. Graff: apresentar uma abordagem original sobre um evento acompanhado ao vivo pela televisão em todo o mundo e já exaustivamente analisado por diferentes vieses. Graff reconstruiu em detalhes aquela fática manhã de terça-feira na forma de um relato-coral, formado por mais de 500 vozes que regeu ao longo de três anos. Garimpou material entre duas mil gravações arquivadas e realizou centenas de entrevistas com testemunhas e sobreviventes. A estrutura narrativa que construiu em seu livro lembra o trabalho da escritora bielorrussa vencedora do Nobel Svetlana Aleksiévitch em seus painéis históricos sobre a antiga União Soviética.

Em 11 de setembro de 2001, quatro aviões decolaram de aeroportos da costa leste dos EUA e foram tomados por terroristas, que os desviaram para seus alvos. Dois deles explodiram nas torres do World Trade Center, em Nova York, um terceiro mergulhou sobre o Pentágono, em Washington, e o quarto caiu em um descampado da Pensilvânia, em meio à luta entre passageiros, tripulantes e sequestradores pelo controle da aeronave.

O mosaico de Graff reconstitui em ordem cronológica os acontecimentos em todos os cenários, minutos antes, durante e nas horas seguintes aos ataques que deixaram um total de 2.977 mortos, mais os 19 terroristas. Falam, entre outros, funcionários e visitantes que conseguiram escapar dos prédios atingidos, policiais e bombeiros que trabalharam nos resgates, operadores de voo surpreendidos pelo súbito caos na malha aérea do país, jornalistas que se lançaram na cobertura ao vivo, militares acionados para um imediato contra-ataque, pessoas que buscavam contato com amigos e familiares nos voos e nos locais atingidos e integrantes da equipe do presidente George W. Bush, que naquele instante visitava uma escola na Flórida.

Graff costura relatos de uma narrativa tensa, como o minuto a minuto de um grande evento, com intervenções para contextualizar detalhes históricos e técnicos. Entrevistas atuais, com o trauma revivido sob uma nova perspectiva, misturam-se a registros captados no calor da hora por quem vivia seus últimos instantes de vida. Emergem relatos dramáticos de quem sobreviveu por pura sorte, ao se dirigir às cegas para a única rota de fuga de um prédio em chamas, exemplos de heroísmo e bastidores de como pulsa o centro do poder dos EUA em situação de guerra.  

Veja a seguir trechos editados de “O Único Avião no Céu – Uma História Oral do 11 de Setembro.

***

A Aon Corporation ocupava os andares 92, 93 e 98 da Torre Sul. Às 8h59, Sean Rooney, o vice-presidente dos serviços de gestão de risco da Aon, que trabalhava no 98º, ligou para sua esposa, Beverly Eckert, e deixou uma mensagem de voz: 

Sean Rooney: Ei, Beverly, aqui é o Sean, caso você receba essa mensagem. Houve uma explosão no World Trade 1, que é o outro prédio. Parece que ele foi atingido por um avião. Está pegando fogo mais ou menos no 90° andar. E é… é horrível. Tchau.

Sean ligou novamente às 9h01, e a ligação caiu na caixa postal de Beverly mais uma vez. Ao fundo, a gravação capturou um comunicado. Era a Autoridade Portuária garantindo aos ocupantes da Torre Sul que eles estavam seguros.

Dois minutos depois do comunicado da Autoridade Portuária, telespectadores de todo o país que acompanhavam a dramática transmissão ao vivo do acidente na Torre Norte viram o voo 175 da United Airlines surgir em sua tela. Os ataques interromperam os últimos minutos dos telejornais da manhã, levando os horrores que aconteciam em Nova York para dentro dos lares de milhões de pessoas que estavam sentadas à mesa tomando o café da manhã, corriam para levar as crianças para a escola ou se preparavam para ir trabalhar naquela terça-feira de setembro.

Katie Couric, âncora, The Today Show, NBC: Eu estava na sala dos fundos, onde íamos nos intervalos do programa para nos preparar para os próximos assuntos, descansar, tomar um café. Olhei para o monitor e vi o World Trade Center pegando fogo. Pensei: Caramba! Olhei para o relógio e pensei: Graças a Deus ainda não são nove horas, que é quando a maioria das pessoas chega ao trabalho. 

 Peter Jennings, âncora, ABC News: Eu só levantei as mãos e pedi silêncio a todo mundo na redação, porque não sabíamos o que estava acontecendo. Nossas suspeitas foram imediatas. Em vez de nos arriscar a dizer alguma besteira, deixamos o público absorver aquilo.

Às 9h03, voando a 950 quilômetros por hora, o voo 175 da United se chocou com a Torre Sul, o World Trade Center 2, num ângulo meio enviesado. A asa esquerda, mais baixa, penetrou no prédio na altura dos andares 77 e 78, que abrigavam o Sky Lobby, o saguão onde era feita a transferência dos elevadores expressos para os locais; a asa direita, que estava mais alta, atingiu o 85° andar. A maior parte da área de impacto, dos andares 78 a 83, era ocupada pelo Fuji Bank, cujos funcionários haviam sido evacuados após o ataque à Torre Norte, mas tinham voltado em seguida, quando a Autoridade Portuária informou que o incidente estava sob controle. O Fuji Bank perderia ao todo 23 funcionários e visitantes naquele dia.

Uma única escada da Torre Sul, a escadaria A, sobreviveu ao choque. Menos de vinte pessoas conseguiram escapar da zona de impacto e dos andares acima dela.

Stanley Praimnath, Banco Fuji, Torre Sul, 81º andar: Eu estava olhando na direção da Estátua da Liberdade e uma coisa chamou minha atenção: um avião, e ele ficava cada vez mais próximo.

 Steven Bienkowski, divisão aérea, DPNY: Nosso helicóptero estava no lado sudoeste da Torre Sul. Olhei por cima do ombro, e uma aeronave da United Airlines vinha exatamente na nossa direção, logo abaixo de onde estávamos. Deve ter passado a uns noventa metros da gente. Ele continuou voando e atravessou o prédio, que estava bem na nossa frente. Acho que entrei em choque. Não me lembro de ouvir a explosão, que deve ter sido muito estrondosa.

Robert Small, gerente de escritório, Morgan Stanley, Torre Sul, 72º andar: Liguei para a minha esposa. De repente houve uma rajada, uma explosão, um “bum”. Foi a sensação mais violenta da minha vida. O avião bateu logo acima de nós. Estávamos no 72° andar e ele bateu no 78°. Fui lançado na direção da minha mesa e depois para trás duas ou três vezes. As coisas despencaram da parede, as prateleiras desabaram. Peguei o telefone, e minha esposa estava gritando: “O que aconteceu?”. Eu disse: “Alguma coisa explodiu”. E ela: “Sai daí!”.

Judith Wein, vice-presidente sênior, Aon Corporation, Torre Sul, 103º andar: Desci a pé do 103º ao 78º andar, encontrei meus colegas e ficamos pelo Sky Lobby, esperando nossa vez de entrar nos elevadores grandes que descem para o térreo. Quando o segundo avião bateu, basicamente fui atirada para o ar e voei para o lado oposto do lobby. Pensei: Então é assim que tudo acaba? É isso que é a vida – ir trabalhar, chegar por volta das sete da manhã, sair às cinco da tarde, gastar uma hora e meia por dia na condução, não ter muito outra vida? É disso que se trata? Aterrissei sobre meu braço, que foi esmagado. Trinquei três costelas, o pulmão teve uma pequena perfuração. Tive sangramento abdominal. Mas fiquei bem. O braço amorteceu a minha queda. Mais tarde, o médico me perguntou: “O que caiu em cima de você?”. Eu respondi: “Eu mesma”.

Joe Esposito, chefe de departamento, DPNY: Os destroços estavam despencando. Olhamos para cima e parecia uma coisa saída daqueles desenhos antigos, com o Papa-Léguas, quando o Coiote fica assistindo a um monte de coisas desabando em cima dele. O cofre – ou qualquer outra coisa que o Papa-Léguas jogasse nele – ia caindo. E ia ficando cada vez maior. Os destroços iam ficando cada vez maiores conforme se aproximavam de nós.

Tenente Mickey Kross, equipe de combate a incêndio 16, CBNY: Parecia um daqueles filmes, aqueles filmes velhos do Godzilla, em que um monstro emerge do mar e todo mundo sai correndo, gritando, tropeçando, caindo.

 David Norman, policial do Serviço de Emergência, caminhão 1, DPTY: Uma das rodas do trem de pouso do avião que havia acabado de bater no prédio caiu, em chamas, bem na nossa frente. Era quase do tamanho de um Volkswagen e aterrissou no meio da rua.

 Bernie Kerik, comissário, DPNY: Destroços e pedaços de corpos, do avião, do prédio – estava caindo tudo aquilo em cima de nós. 

 Capitão Jay Jonas, equipe de resgate 6, CBNY, aguardando ordens no posto de comando no saguão térreo da Torre Norte: Eu fiquei lá, parado. Estava muito barulhento – como você pode imaginar, a acústica do saguão do World Trade Center não é muito boa, tinha muito eco – e de repente ficou tudo silencioso. Um dos bombeiros das ambulâncias olhou para cima e disse: “Talvez a gente não sobreviva a hoje”. Olhamos para ele, olhamos um para o outro e dissemos: “Você tem razão”. Então aproveitamos para nos cumprimentar e desejar boa sorte um ao outro, dizer “espero te ver mais tarde”, o que foi especialmente tocante para mim, pois todos tínhamos a compreensão de que aquele poderia ser o nosso último dia e, mesmo assim, fomos trabalhar.

Thomas Von Essen, comandante-geral, CBNY: Eu me lembro de ver Ray Downey, chefe de operações especiais, no saguão, e ele me disse: “Estes prédios podem desmoronar”. Ele disse isso apenas casualmente. Não disse que os prédios iriam desmoronar em quarenta minutos e que precisávamos tirar todo mundo de lá, nem que iriam cair no dia seguinte. Não disse nem que realmente cairiam. Só que eles podiam desmoronar. Foi a primeira vez em que tive ideia da dimensão da coisa.

Por toda a região, enquanto as mobilizações colossais do DPNY e do CBNY colocavam tropas extras em ação, socorristas de folga e que moravam fora de Manhattan perceberam a dimensão do desastre e começaram a se dirigir para a área. Às 9h29, o CBNY emitiu uma “reconvocação” geral, colocando todos os seus funcionários em serviço. No cômputo final, sessenta dos profissionais do CBNY que morreram no 11 de Setembro deveriam estar de folga naquela manhã.

Capitão Joe Downey, equipe 18, CBNY: Eu também estava em casa naquele dia. Minha mãe começou a me ligar – ela queria saber se estávamos trabalhando. Ela sabia que meu pai [Ray Downey, chefe de operações especiais do CBNY] estava lá porque ele tinha ido trabalhar de manhã, mas não sabia se também estávamos. Minha companhia, no sul de Manhattan, foi uma das duas primeiras unidades a chegar lá. Ela seria dizimada naquele dia.

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