Postado em nov. de 2015
Filosofia | Sociedade | Governança
Michel Maffesoli: "Não é mais o futuro que importa, e sim o presente"
Em entrevista ao IHU, sociólogo francês Michel Maffesoli defende que a política contemporânea trocou o projeto racional pelo emocional.
“O importante hoje é o ventre, isto é, o emocional, as emoções, e não o racional.", diz Michel Maffesoli em entrevista à IHU On-Line. O sociólogo francês fala sobre as transformações nos últimos séculos. Segundo Maffesoli, o movimento em pêndulo modificou dois aspectos centrais do ser humano: o tempo e os laços. Da razão, passamos à emoção; do futuro, à fruição do presente. Confira abaixo:
Como o senhor vê o uso do prefixo “pós-" nas diversas discussões nas áreas das Ciências Humanas? Quais são os indícios que o fazem perceber o grande ciclo da pós-modernidade a partir dos anos 1980?
Michel Maffesoli: É sempre difícil falar em “pós-", porque nosso esquema de pensamento é linear, ou seja, como a grande filosofia hegeliana da história. Assim, temos dificuldade de pensar que possa haver ciclos. Mas minha hipótese é de que os ciclos retornam, ou as épocas retornam. Na verdade, a palavra “época", em grego, significa parêntese.
Então, abre-se e fecha-se um parêntese. Penso que, atualmente, está terminando – desde antes dos anos 1980, já nos anos 1960 – a época moderna, que se iniciou no século XVII. Estamos assistindo ao fim dessa época e ao nascimento de outra, a qual nós não podemos nomear hoje por não termos palavras apropriadas, então usamos o prefixo “pós-" para expressar o que vem após a modernidade.
Ao falar da pós-modernidade, o senhor diz que “não é mais o futuro que importa, e sim o presente". Essa proposição se aplica a todos e em todos os sentidos?
Michel Maffesoli: Faço a hipótese de que, em cada ciclo, acentua-se um elemento da temporalidade. A característica moderna primordial é o futuro, enquanto a característica temporal principal atualmente é o presente. É o que eu chamo de presenteísmo. Este presenteísmo, é claro, corresponde a uma ambiência geral. Insisto na ideia de ambiência geral, mas isto não quer dizer que todo mundo viva só no presente. Sempre há aqueles que pensam em função do futuro; outros, tradicionalistas, pensam em função do passado... Mas digamos que a ambiência atual enfatiza o presente. Um indício interessante sempre pode ser encontrado junto às gerações jovens, na medida em que elas representam o que está nascendo. Observamos que, para elas, é o presente que está em ênfase, ou seja, há um resgate da fruição.
O que significa dizer que a pós-modernidade é histérica?
Michel Maffesoli: É um modo de falar. Quero dizer com isso que, a partir do século XVII, o cérebro passou a ser importante: Descartes, com o cartesianismo, e toda a filosofia do século XVII. Mas, por um movimento de pêndulo, que nos remete justamente aos ciclos a que me referi antes, percebemos que o importante hoje é o ventre, isto é, o emocional, as emoções, e não o racional. É por esta razão que a palavra “histérico" – não numa acepção pejorativa – mostra a importância do útero, isto é, do ventre. Em grego, hysterus é o ventre.
Tento dizer, então, de maneira um tanto provocativa, que nas diversas manifestações da vida social não há simplesmente a racionalidade, e sim as emoções, as paixões. É interessante observar que, em grandes encontros esportivos, há histeria: Grêmio x Internacional, por exemplo, suscitam histeria (riso); a copa do mundo vai ser histérica; as grandes reuniões musicais, etc. Em outras palavras, o político, o econômico, o social podem ficar totalmente marginalizados em proveito da histeria esportiva ou da histeria musical. O laço social deixa de ser então simplesmente racional para se tornar um laço emocional.
Por que o senhor vê o Brasil como um laboratório da pós-modernidade?
Michel Maffesoli: Há justamente a dimensão do culto do corpo, a importância do presente e o elemento comunitário, o “nós". Não é somente o individualismo – como o grande individualismo europeu. Ao contrário, é a tribo. Vemos a importância das tribos urbanas. São essas três grandes características que encontramos no Brasil, como também em alguns outros países do mundo.
Que críticas poderíamos fazer à pós-modernidade?
Michel Maffesoli: Não desenvolvo um pensamento crítico. Não posso dizer se a pós-modernidade é algo bom ou ruim. Meu trabalho é fazer uma fotografia, uma constatação. Assim como também não posso julgar se a modernidade foi boa ou ruim: tivemos os valores modernos, que foram valores importantes. Eu apenas constato agora que existem valores pós-modernos.
Portanto, não posso emitir críticas, a atitude crítica não é a minha função. Minha sociologia é fenomenológica, ou seja, descrevo os fenômenos e, depois, cabe a cada um, cabe a vocês, ou cabe aos moralistas, aos intelectuais, aos políticos, àqueles que exercem alguma função, fazer as críticas. Eu apenas constato.
Qual é o papel da política e como se faz política na pós-modernidade?
Michel Maffesoli: É uma longa questão. Remeto-os a um livro que escrevi e que foi publicado em português com o título A transfiguração do político, pela Editora Sulina. Neste livro, mostro que a política tal como se caracterizava essencialmente em termos de projeto racional não existe mais. Ao contrário disso, há um ressurgimento do emocional. As manifestações dos jovens no Brasil, em Porto Alegre, e por toda parte, como os indignados, em Madri, e outros movimentos de rebelião mostram que não se inserem mais na perspectiva política habitual e que neles há, ao contrário, uma invasão da dimensão emocional. Portanto, para mim, a política moderna não tem mais sentido. Há uma transfiguração dela, ou seja, ela assume outra forma, outra figura.
Leia esta entrevista no site IHU-Online
Michel Maffesoli
Sociólogo