Postado em jun. de 2021
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O urbanismo de Jan Gehl: cidades para pedestres
Confira os destaques da live "Jan Gehl e urbanismo em tempos de pandemia" com Raul Juste Lores e Eduardo Wolf.
O período de pandemia de covid-19, que mudou a vida de todos nós, afetou a vida nas cidades em quesitos como locomoção, ocupação dos espaços públicos e organização dos estabelecimentos para receber pessoas em áreas ao ar livre. Para pensar o tema da urbanização em tempos de pandemia, Eduardo Wolf, curador do Fronteiras do Pensamento, conversou com Raul Juste Lores sobre o arquiteto dinamarquês Jan Gehl, cuja carreira é baseada na qualidade de vida e felicidade das pessoas.
Conferencista do projeto em 2016, Jan Gehl se destaca por defender que as cidades sejam planejadas para os pedestres, e não para os automóveis. É autor de "Cidades para pessoas", livro que fala sobre sustentabilidade, mobilidade e segurança, e já foi agraciado com premiações como a Medalha Príncipe Eugen e o Prêmio NYC. Foi responsável, ainda, por mudar a concepção urbana de Copenhague, a cidade em que vive, tornando-a uma referência de lugar amigável para ciclistas.
Raul Juste Lores é jornalista e comentarista da rádio CBN e autor de "São Paulo nas alturas", obra finalista do Prêmio Jabuti 2018. Confira a seguir alguns destaques da Live Fronteiras e clique aqui para assistir à conversa na íntegra.
Raul Just Lores fala sobre a "Síndrome de Brasília"
É importante lembrar que o Jan Gehl cresce como arquiteto, ele se forma em 1960, exatamente no ano em que Brasília é inaugurada. Ele passa os anos 60 trabalhando primeiro em Copenhague, depois pela Europa e depois pelo mundo justamente na ressaca do modernismo, e o modernismo teve o seu auge e também a sua maldição com Brasília.
É bom lembrar que nenhum outro lugar apostou tanto no modernismo como o Brasil. A ideia de construir uma cidade do zero, em um lugar distante, seguindo todas essas regras, criaria uma sociedade mais justa, mais igualitária, mais funcional.
Então, ao contrário de outros lugares onde esses sonhos ou projetos foram mutilados ou interrompidos no meio, ali houve dinheiro, espaço e poder político para o Lúcio Costa e o Niemeyer desenvolverem uma cidade.
E, de fato, Jan Gehl analisou com muita coragem porque na época não pegava bem, era a ressaca do modernismo. Ele deixa claro que os modernistas, no geral, eram muito autoritários, acreditavam em decisões de cima para baixo. Aliás, não à toa muitos modernistas cortejaram ditadores e poderosos em geral para desenvolver suas ideias. Não havia a questão de debater com a comunidade.
A eliminação do ser humano na cidade
Temos que lembrar que a explosão das grandes cidades, no século 19, foi um tanto caótica. Londres era fétida, as fábricas no meio da cidade poluíam loucamente, chaminés por todos os lados, muita tuberculose, muito câncer, muitas criancinhas trabalhando 14 horas por dia, esgoto a céu aberto. Londres, Nova Iorque, São Paulo e Rio, e um longo etc. Essa industrialização, somada à primeira guerra mundial, inédita na Europa, somada à gripe espanhola, de 1918, fez com que justamente os urbanistas quisessem reduzir essa presença humana nas cidades. Ou seja, as cidades são muito lotadas, muito poluídas, então começamos tirando as fábricas e colocando moradias muito longe do trabalho.
Nós persistimos no erro por décadas. A gente tem uma dificuldade de aprender, de se adaptar, de entender erros passados que vão contra a narrativa que a gente abraça, que a gente ama. É algo que a história já derrotou Brasília. A história demonstrou que, quando um piloto é para a classe alta - não à toa Lúcio Costa e Niemeyer desenharam apartamentos de três, quatro quartos, obviamente quarto de empregada, todo mundo andando de carro, quando em 1957, 1958, menos de meio por cento dos brasileiros tinha carro. Portanto, o pobre não entrou nessa prancheta.
Mas é muito importante lembrar que Jan Gehl esteve aqui em 2015, no Fronteiras, eu iria mediar a palestra com ele, e ele topou dar uma volta comigo por São Paulo. É normal que quando chega um grande urbanista estrangeiro em são Paulo você leve à favela ou ao centro. As respostas já são até previsíveis: "como vocês deixam esse patrimônio desmoronar?", "isso tem que voltar", "tem de haver mais investimento público"... Eu não queria torturá-lo para produzir alguns clichês, eu preferi levá-lo às áreas nobres da cidade. O que é que os brasileiros e os paulistanos conseguem fazer quando tem muito dinheiro e muito espaço nas mãos. E o resultado foi que ele deu uma entrevista dizendo que ele tinha pena de quem trabalhava na Faria Lima (e olha que ele não viu a Faria Lima pandêmica). Por isso que eu quis dar essa volta. O ser humano não foi levado em conta.
Carro e poluição, pedestres e urbanismo
A pandemia fez com que prefeitos muito espertos e muito ambiciosos investissem pesado no pedestre e na bicicleta porque sabiam que havia esse risco: as pessoas evitando metrô e evitando ônibus, o ar em Paris, em Lisboa ou em Londres se tornasse irrespirável. Então, são políticas muito corajosas para ocupar o espaço público, seja com mesas e cadeiras de restaurantes, fechando avenidas, expandindo ciclovias. Mas aqui, não. Fomos controlar a pandemia e distribuir a vacina, e ninguém pensou no urbanismo, infelizmente.
Sobre andar de carro, as pessoas dizem que têm direito de andar de carro. É importante lembrar uma coisa: se a China e a Índia - as duas juntas têm dois bilhões e seiscentos milhões de habitantes - seguirem a ideia "iluminada" de que "nós temos direito de andar de carro", o planeta vai se intoxicar com tanta fumaça. Não vai ter combustível para tanta gente, não vai ter recursos, não vai sobrar África, não vai sobrar América Latina. Então ou a gente muda agora e somos literalmente um exemplo para as autoridades chinesas e indianas, ou então não teremos moral para amanhã ficar reclamando que tem fumaça demais.
>>> Confira a live "Jan Gehl e urbanismo em tempos de pandemia" completa
Jan Gehl
Arquiteto