Pandemia, parentalidade, amor e depressão por Andrew Solomon

Postado em nov. de 2020

Sociedade | Psicologia e Saúde Mental

Pandemia, parentalidade, amor e depressão por Andrew Solomon

Escritor norte-americano fala sobre saúde mental na pandemia: "o medo que estamos passando agora tem consequências catastróficas".


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Especialista em depressão e saúde mental, o escritor Andrew Solomon foi conferencista do Fronteiras do Pensamento na noite dessa quarta-feira (11). O encontro, que contou com a mediação do filósofo Eduardo Wolf, tratou do tema “Terrivelmente sozinho, mas sem nenhuma privacidade: quarentena, depressão, amor e individualidade”.

Solomon iniciou sua fala mencionando o recente resultado das eleições nos Estados Unidos, celebrando o que pode ser uma esperança para a humanidade. A pandemia e as consequências do isolamento social marcaram o debate. Para o escritor, que aborda a depressão baseado tanto em relatos de pacientes como em sua própria experiência, o distanciamento possui um impacto agravante em casos já existentes de doenças psíquicas, e tem o poder de desencadear em quem nunca teve problemas.

Família, parentalidade e relações humanas foram pautas recorrentes no decorrer do encontro. Solomon enfatizou a necessidade de as pessoas não se isolarem totalmente enquanto perdurarem as restrições em função da covid-19, e destacou que estamos todos em processo de transformação neste experimento: “Como as lagartas que entram em casulo, nós estamos nos transformando”.

Andrew Solomon é um premiado escritor norte-americano, referência nos assuntos de saúde mental e depressão. Entre suas obras estão “O Demônio do Meio-Dia” e “Longe da Árvore”. Solomon é, também, ativista e dono de uma fundação dedicada a estudos LGBTQIA+.   

Confira alguns destaques da conferência:

 

ESPERANÇA

Nós acabamos de eleger um novo presidente nos Estados Unidos. Eu sinto que um peso enorme saiu do meu peito. Acho que isso aconteceu comigo e com muitas outras pessoas em meu país, depois de quatro anos de terror e incompetência. Talvez, esse momento dos autocratas e o momento da opressão estejam começando a chegar ao fim. Eu espero que chegue ao fim no Brasil também, da mesma forma que eu acredito que está chegando ao fim nos Estados Unidos. Espero que tenhamos melhores dias por vir.

Nunca acredite em ninguém que diga que os seus desejos de aniversário não se tornarão realidade. Meu aniversário aconteceu há pouco e o meu sonho se tornou realidade. Também, há pouco recebemos notícias de uma vacina que tem uma taxa de propensão potencial de 90%. Ainda não está claro se essa taxa de fato se manterá tão alta conforme as pesquisas avançam. Também não estará claro quando ou para quem a vacina estará disponível.

No entanto, falo com os senhores e senhoras hoje em uma semana de esperança. A esperança da eleição de Joe Biden, e a esperança de que essa pandemia e suas expressões terríveis cheguem ao fim, pelo menos isso é algo que agora nós podemos imaginar. As pessoas têm tentado criar coisas positivas nestes tempos difíceis. Ao ouvir essas pessoas, eu penso em uma famosa expressão que diz que há luz no fim do túnel. Mas eu também penso em uma famosa resposta dada a essa expressão, quando o poeta americano Robert Lowell disse que a luz no fim do túnel, na verdade é um trem vindo em nossa direção.

Eu espero que tenhamos parado esse trem, espero que essa luz seja real. Espero que nessa semana possamos vivenciar uma sensação de entusiasmo, uma sensação de alegria. Não muito pelo que está por vir, porque não sabemos o que virá, mas pela finalização do que talvez já tenha passado.

 

SAÚDE MENTAL

Há uma crise de saúde física por conta da covid-19. Há pessoas doentes, sendo internadas, falecendo. Há uma crise de saúde social que coincidiu com essa primeira crise. Essa crise tem a ver com a covid-19, com as mudanças sociais atreladas ao movimento black lives matter, ou vidas negras importam, e com a incompetência de líderes nos Estados Unidos e no Brasil, no sentido de que todos estamos desprotegidos.

Temos medo de nos contagiarmos e morrermos, temos medo da tragédia pessoal. Para muitas pessoas a possibilidade de perder a moradia, para outras a perda de todas suas economias. Temos o medo da intolerância, do racismo, que vem sendo tão vorazes, principalmente nos Estados Unidos, onde vemos episódios de brutalidade policial que não são incomuns, mas que agora estão sendo documentados e despertaram a população a um problema que sempre nos assombrou.

Vivemos com medo de a democracia estar morrendo. Medo de a vida como a conhecemos antes ter acabado. Estamos negociando esse estresse do isolamento por meio de medidas como o lockdown, o confinamento, que agora fazem parte de nossas vidas. O estresse do isolamento pode ser tão intenso quanto o medo da própria morte. As taxas de depressão dobraram nos Estados Unidos durante a pandemia. Mais da metade dos americanos agora mostram sintomas de depressão clínica. O número talvez seja ainda maior quando falamos de ansiedade clínica. O aumento foi maior entre pessoas em situação de pobreza e pessoas que fazem parte de grupos de minorias raciais.

Uma pesquisa mostra que, se de um lado as informações sobre desastres médicos estão cada vez mais disponíveis, há menos diretrizes para instituições de saúde sobre como fazer a gestão dos aspectos psicológicos de desastres em grande escala, que podem implicar em um surto de mortes psicológicas. Morte psicológica: preste atenção neste termo. Há muitas pessoas cuja saúde física está bem, mas há pessoas que entraram em um estado de saúde mental abalado, um estado que talvez não seja recuperado com uma vacina ou com o resultado de uma eleição.

 

PARENTALIDADE

Se de um lado queremos negar a depressão para protegê-lo (filho), eu me conscientizei de uma vitalidade que vem dele e que inunda o resto da família, mesmo em tempos de dificuldades. Ser forçado a negar sua depressão pode ser um fato terrível, mas ser forçado a disfarçá-la por conta de alguém que é mais vulnerável que nós mesmos, pode ser uma experiência profunda, significativa e importante. Foi isso que tentei fazer, superar a depressão por ele.

E, às vezes, ele falava “você nunca passou por nada como isso”, “você não tem ideia de como isso é difícil”. E é verdade, eu nunca passei por uma situação como a da covid. Eu nunca tive essa experiência estranha de ver meus professores e meus amigos todos os dias online, mas sem de fato ver essas pessoas pessoalmente. Eu nunca havia ficado preso por meses com meus pais, mês após mês, implacavelmente, e com medo o tempo todo. Eu tinha meus medos, mas nunca foi assim. E eu não soube o que falar para ele.

Eu sempre havia suposto que a angústia crônica e mesmo as melhores relações familiares fossem dadas pela morte, pela perda, pela partida. Na depressão há deficiência, e mesmo outras formas de impotência, mas ali, com George, no local onde nós morávamos, eu pude finalmente entender que a dor de ser pai tem a ver com a impotência que nos consome. O isolamento ratificava o bloqueio que nós sentíamos. A angústia de não conseguir fazer o mundo ser um local mais seguro para os nossos filhos. Foi difícil continuar sendo um coral que resiste às ondas ameaçadoras da realidade continuamente, até que se tornassem suaves ondulações em nossa percepção. A nossa função com George era fazer com que não se sentisse sozinho, que é a função de qualquer pai ou mãe em todo o mundo, mas não é fácil.

George um dia me disse um dia em abril, “pai, estou com saudades de casa”. Ele disse que estava com saudades do seu quarto em Nova York. Dos vizinhos e mesmo do atendente do mercadinho local. Era a sensação de perda de outra familiaridade, a limitação de ser somente de uma maneira, para uma pessoa que sempre foi de muitas maneiras, sempre teve múltiplas formas de ser, a separação do seu local de infância. E nós tivemos de recordá-lo constantemente, assim como nós recordávamos a nós mesmos. Nós tivemos sorte. Não perdemos o emprego, não nos preocupávamos se conseguiríamos comprar comida, não estávamos doentes, não tínhamos covid, não tínhamos perdido ninguém próximo de nós, apesar de termos perdido conhecidos para a doença. Mas como eu disse, nós tivemos sorte, e eu falava para o George: mesmo as pessoas que têm sorte começam a se cansar depois de um tempo. Ele ficou bem por alguns meses e depois, como nós prevíamos, ele cansou de ouvir o que eu falava.

Solomon encerrou sua fala com uma mensagem de esperança sobre o futuro após o resultado da eleição nos Estados Unidos: Acima de tudo, espero que seja uma época de verdades, porque a verdade em si foi aniquilada por Trump, por Bolsonaro, por Erdogan, na Turquia, por todos os autocratas que estão dominando o mundo e que tentaram manipular as coisas para dizer que são alternativas. Não existem fatos alternativos, só o que existe é a verdade. Eu contei para vocês a verdade sobre o que nós ganhamos e perdemos na pandemia. Tentei contar para os senhores e senhoras o que eu entendo que as pessoas ganharam e perderam. E eu posso dizer que se a verdade for de fato reconhecida, a verdade nos libertará. A verdade abrirá as portas para a esperança, que é o que nós precisamos e queremos atualmente.

 

 

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Andrew Solomon

Andrew Solomon

Escritor

Escritor referência mundial em depressão e saúde mental, autor de O demônio do meio-dia.
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