Postado em set. de 2014
Sustentabilidade | Governança | Mulheres Inspiradoras
Para Gro Brundtland, "a maior poluição de todas é a pobreza"
Ao citar Indira Gandhi, líder norueguesa relaciona o desenvolvimento às questões socioambientais em conferência no Fronteiras do Pensamento.
A grande diferença para o desenvolvimento sustentável é a educação. Sem ela não é possível uma sociedade plenamente democrática." - Gro Brundtland, Fronteiras do Pensamento Porto Alegre
A mistura entre a médica, a política e a ativista "anciã" – como se autodenominou Gro Brundtland por sua participação no grupo The Elders, organização de Nelson Mandela com veteranos ex-chefes de governo – se fez muito presente no palco do Fronteiras do Pensamento na última segunda, dia 29.
Com sua estatura mediana, Gro Brundtland se agigantou diante de uma plateia que lotou o Salão de Atos da UFRGS para ouvi-la falar sobre sua carreira, as alternativas para o desenvolvimento sustentável e a questão ambiental brasileira.
Ao abrir a sexta conferência do Fronteiras do Pensamento, Gro Brundtland optou por se apresentar citando passagens de sua extensa trajetória: há cinco décadas atuando junto à saúde pública, ao meio ambiente e à gestão, a mãe de quatro filhos, ex-primeira-ministra da Noruega durante três mandatos, mestre em Saúde Pública pela Universidade de Harvard e organizadora do relatório Nosso Futuro Comum – documento seminal para inúmeras políticas públicas e acordos ambientais que ocorreriam ao longo das décadas de 1990 e 2000 – se considerou uma privilegiada. "Nasci em um país pequeno e democrático, e em uma família que desde muito cedo me ensinou a viver e acreditar em uma sociedade mais solidária e igualitária", disse Gro, citando uma de suas inspirações, o pai médico e ativista político.
"Como aquela jovem médica se tornou ministra?", questionou Gro Brundtland, referindo sua primeira atuação marcante, no Ministério do Ambiente da Noruega, cujas conquistas a levariam ao posto máximo do país, como a primeira mulher e a mais jovem premiê, até então, eleita em terras escandinavas. "Sem dúvida, foi uma decisão ousada do primeiro-ministro, e eu não podia recusar depois de ter lutado tanto por direitos igualitários, sobretudo para as mulheres. Já fazia parte de meu perfil político e profissional a visão de que há um elo profundo entre o desenvolvimento, o meio ambiente e a saúde das pessoas. Um é impossível sem o outro", lembrou, citando Indira Gandhi ao comentar que "a maior de todas as poluições é a pobreza".
Ao longo de toda a conferência, Gro recordou os momentos de seu trabalho como presidente da Comissão Mundial das Nações Unidas para o Ambiente e Desenvolvimento, entre 1983 e 1987. Destacando o pioneirismo da comissão que antecipou preocupações com a camada de ozônio e com o aquecimento global, a atual enviada especial da ONU para as Mudanças Climáticas salientou o momento histórico da época. "Após tragédias como Bhopal, Basileia e Chernobyl, ocorreu a queda do muro de Berlim, e em 1992 tudo parecia possível. Daí vimos uma sequência de conferências globais. Mas todos os processos importantes que estavam em andamento acabaram no 11 de Setembro e na crise financeira de 2008. Hoje sabemos que nada se move rápido o suficiente sem os Estados Unidos como força motriz. O mesmo ocorre sem a Índia, a China e o Brasil, economias emergentes que são muito importantes para as mudanças que queremos", salientou.
Continuando seu discurso, Gro reforçou que, em sua primeira década como ministra, também lhe ficou clara a força vital que as mulheres possuem para o desenvolvimento de uma sociedade. "Por isso acredito que aquelas estruturas ainda patriarcais, se assim permanecerem, vão ficar para trás", sentenciou a "mãe da nação", como é chamada na Noruega. Internacionalmente reconhecida por suas políticas de oportunidades para as mulheres, Gro lembrou de sua forte atuação como gestora, que na época também causou indignação da indústria do petróleo por sobretaxar as emissões de carbono.
"Foram medidas restritivas, mas não havia outra alternativa. A Noruega é uma das maiores regiões produtoras de petróleo do mundo e hoje o país com o regime de imposto sobre CO2 mais alto entre as nações. China, Brasil e Estados Unidos cobram este imposto pela metade, sinal de que ainda podemos mudar muitas coisas", afirmou, citando iniciativas que deram certo em seu país de origem, como a política de incentivo aos carros elétricos – hoje sucesso entre os noruegueses. "A equação é simples: aumente o imposto para o produto que polui e diminua as taxas para o que é sustentável", ensinou.
Questionada sobre a atuação do Brasil no cenário mundial ambiental, Gro Brundtland afirmou várias vezes o papel crucial do País no futuro do mundo, recordando sua primeira visita à Amazônia em 1985. "Na época foi muito difícil convencer um governo relutante de nossas preocupações. O Brasil não era uma democracia aberta e participativa, e não se imaginava um cenário como o atual, com duas mulheres concorrendo às eleições presidenciais."
Fazendo menção ao discurso do Brasil na ONU, Gro comentou que "foi ótimo ouvir os resultados consideráveis alcançados pelo país, como a redução do desmatamento das florestas e a transformação de recursos finitos, como o petróleo e o gás, em ativos permanentes, com investimentos em educação, saúde e tecnologia". Sem se posicionar sobre a postura do governo brasileiro quanto à não assinatura da Declaração de Nova York, que pactua o fim do desmatamento até 2030, Gro opinou que o Brasil não seria "nem mocinho, nem vilão" dos lentos processos que se arrastam entre as governanças mundiais. Ainda assim, fez questão de sublinhar que, embora não muito efetivas a curto prazo, as intermináveis conferências entre os países são fundamentais: "para alguns parece que não há resultado nenhum, mas estaríamos muito piores sem essas reuniões", afirmou.
Oscilando entre o otimismo e um tom de gravidade, Gro Brundtland apresentou novos e já conhecidos dados, sempre chamando atenção para a qualidade do crescimento – o que realmente importa, em sua opinião, para sustentar o tripé do desenvolvimento sustentável, de bases econômicas, sociais e ambientais.
Ao citar países como Coreia, Singapura, China e Etiópia, chamou atenção para tendências positivas entre o mercado e o desenvolvimento social, ao mesmo tempo em que afirmou serem o clima e a energia os problemas urgentes que precisam ser tratados, especialmente por "líderes que têm dificuldade de enxergar soluções a longo prazo, mesmo que estejamos próximos a um aumento na temperatura de 4°C nos próximos anos", comentou.
"A degradação ambiental traz o risco de dano irreversível para os ecossistemas e para as comunidades humanas. Com o aumento de 3 bilhões de novos consumidores, precisaremos de 45% a mais de energia e 30% a mais de água nas próximas décadas, e por isso precisamos começar a dar preço para o que realmente tem valor. As emissões de carbono não podem ser mais gratuitas, e o PIB não pode ser mais a medida de desenvolvimento, num horizonte até 2020", sentenciou. Gro apontou também a necessidade de tomarmos decisões coletivas para problemas que se acumulam e vão desde o crescimento populacional até os vazamentos de metano e a acidificação dos oceanos, passando pela luta por um mundo livre de energias não renováveis em um horizonte de no máximo 60 anos.
"O acordo climático universal precisa ser assinado em 2015 para que pensemos não mais em bases nacionais, mas sim globais", refletiu Gro Brundtland acerca da recente decisão do G7 sobre as mudanças do clima. "O acesso à energia é outra prioridade, fundamental para a ONU, por tratar-se do fio condutor para o desenvolvimento social e a proteção ambiental. Mais de um bilhão de pessoas permanece na faixa da exclusão energética, e lidar bem com essa poluição poderia significar uma redução de 13% nas emissões de gases."
Por fim, ao se questionar se o desafio para a mudança seria mais técnico, político ou social, Gro chamou atenção para a força das redes sociais e dos jovens, que, além de auxiliarem na tomada de conhecimento dos problemas mundiais, "encolheram o mundo e expandiram a noção de uma cidadania global", na qual a única força que realmente poderá fazer diferença é a educação. "Cada um de nós precisa assumir responsabilidades. Para isso é necessário educação, que tem a ver com as escolhas de nossos líderes. Sem educação não é possível uma sociedade plenamente democrática. E cada país é responsável pelos líderes que elege", provocou Gro Brundtland às vésperas de uma eleição presidencial taxada de "histórica" pela conferencista.
Gro Harlem Brundtland
Diplomata