Para o Bem ou Para o Mal

Postado em jul. de 2023

Ciência | Neurociência

Para o Bem ou Para o Mal

O cientista defende a implantação de uma nova categoria de direitos humanos para regular a aplicação de neurotecnologias.


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Por Luiz Fernando Bettella

Estou me acostumando com extrema facilidade a separar uma noite de quarta-feira do mês para participar de um evento do Fronteiras do Pensamento. É fácil se acostumar com coisas boas. Nesta última quarta, assisti a conferência do neurocientista Rafael Yuste, um dos cientistas mais influentes do mundo segundo a revista Nature. Confesso ter sonhado em ser neurocientista na infância, quando comportamentos desequilibrados de adultos eram justificados com o diagnóstico simplista de que a pessoa sofria dos nervos. A ciência evolui muito nos últimos tempos.  

Yuste explicou em espanhol límpido aos nossos ouvidos os desafios da neurociência para decifrar o cérebro humano, primeira etapa para isolar e tratar patologias como depressão, esquizofrenia, Alzheimer e Parkinson. Falou sobre avanços obtidos com experiências em ratos e mencionou alguns efeitos colaterais surpreendentes observados em tratamentos inovadores do mal de Alzheimer, como mudanças de personalidade. Expansão de memória, implantação de novas memórias, substituição da imagem percebida no cérebro e expansão da capacidade cognitiva estão entre os avanços já obtidos em ratos. Obter os mesmos efeitos em humanos é apenas uma questão de tempo e vontade. 

Quais devem ser os limites da neurociência? Quem definirá o que pode e o que não pode? Quem deve ser beneficiado? Essas perguntas afligem Yuste, e agora também a mim. Todo avanço tecnológico pode ser usado para o bem ou para o mal, e invariavelmente tem sido usado para ambos. Em breve, seremos capazes de redefinir o que é ser humano, seremos capazes de criar super cérebros e manipular a mente humana de forma absoluta e irremediável. Não restará pedra sobre pedra, todas as áreas do conhecimento humano serão impactadas. 

Preocupado com os desdobramentos dos avanços recentes, Yuste reforçou a necessidade de estabelecermos uma declaração universal de neuro direitos o quanto antes, mas encerrou a apresentação declarando-se otimista.

Deixei o auditório um pouco abalado, admito, e percebi em conversas pós-evento no saguão do teatro, que o otimismo declarado por Yuste não contagiou grande parte dos participantes. Gostaram muito da conferência mas saíram preocupados. Eu usei a palavra inquietante, mas houve quem usasse assustador. Lembrei de uma frase do Guimarães Rosa: eu quase que nada sei, mas desconfio de muita coisa. Para o bem ou para o mal? Espero que Yuste esteja certo em seu otimismo.  

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Rafael Yuste

Rafael Yuste

Neurocientista hispano-americano

Um dos neurocientistas mais influentes do mundo, foi um dos criadores do projeto BRAIN (Brain Research Through Advancing Innovative Neurotechnologies).
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