Postado em jul. de 2016
Filosofia | Sociedade
Peter Singer: o filósofo mais perigoso do mundo
Em entrevista ao jornal universitário de Cambridge, o filósofo australiano Peter Singer fala sobre moralidade, caridade, altruísmo e contradições.
Peter Singer é um filósofo polêmico por pedir coerência prática com o que pensamos e o que dizemos defender. Se amamos os animais, por que os comemos? Se colocamos o valor da vida acima dos objetos, por que gastamos tanto comprando tais objetos em vez de ajudarmos instituições de caridade?
Em entrevista ao Cambrige Tab, Singer nos confronta com uma conclusão: nossa ideia de certo e errado parte de nosso repertório pessoal de atitudes - e aquilo que não fazemos é simplesmente negligenciado: o que fazemos é correto e o que não fazemos não existe.
Cambridge Tab: É o conceito de caridade mal interpretado atualmente?
Peter Singer: Creio que o grande erro é a caridade não ser obrigatória. Minha luta é fazer com que as pessoas percebam que é algo essencial para uma vida ética. Presumindo que elas possuam uma renda adequada – que possibilite gastos extras – estou tentando mostrar que o altruísmo é tão importante para a vida ética quanto o “não matar".
Cambridge Tab: Qual o problema com a ideia de moral convencional?
Peter Singer: As pessoas tendem a determinar o que é certo e errado com base no que elas fazem e acabam negligenciando o que elas não fazem. Quando o simples fato de permitimos o acontecimento de coisas pode trazer consequências muito mais sérias do que as infrações a regras morais que muitos acreditam ser relevantes.
Cambridge Tab: existe altruísmo demais?
Peter Singer: Penso que existe um nível além do que você gostaria de ir sim. É um nível extremo, sendo que temos tanto em meio a pessoas com tanta necessidade. Mas, não acho que este seja o padrão a ser pedido numa sociedade que dá tão pouco. É melhor trabalhar dentro de um campo mais alcançável de ação. Giving what we can [ONG criada pelo filósofo australiano Toby Ord, da qual Singer é membro] argumenta em favor da doação dos básicos 10%. No meu livro, A vida que podemos salvar [no Brasil, pela editora Gradiva], existe um ideal diferente, que inicia mais baixo e termina mais alto e que depende do quanto você ganha. Felizmente, uma vez que as pessoas começam algo significativo, elas descobrem que não é difícil, que é até recompensador, e constroem seus caminhos em direção a isso.
Cambridge Tab: Como você define uma carreira bem-sucedida?
Peter Singer: É a carreira da qual o mundo mais se beneficia. Sua carreira é algo que demanda muito da sua energia e tempo – 80 mil horas – e, portanto, devemos ser conscientes de optarmos por sermos agentes de mudança significativa, e esperarmos satisfação e bem-estar de nossas carreiras. Mas, este é um conselho geral; a decisão depende também de aptidões individuais.
Cambridge Tab: A busca por altruísmo efetivo em me tornar um agente financeiro é fundamentalmente contraditório?
Peter Singer: De certa forma, precisamos aceitar o argumento de Will Crouch [filósofo britânico ligado ao altruísmo efetivo]: se você não se tornar um altruísta, alguém o fará e terá o mesmo impacto que você teria. Se você não se tornar um agente financeiro em busca de altruísmo efetivo, alguém se tornará um agente financeiro no seu lugar e causará o mesmo dano que você teria causado, mas sem doar nada.
Cambridge Tab: O altruísmo efetivo dá ênfase à razão. Quais são os perigos de uma racionalidade excessiva?
Peter Singer: Se seguirmos minha posição logicamente, diremos que é errado gastarmos mais com nós mesmos, com nossos filhos ou com um parente doente em vez de darmos para pessoas que necessitam mais do que nós. Mas, o que sugiro é que devemos tentar que as pessoas façam algo altruísta e que também não sejam muito autocríticas se não forem até o fundo disso.
Cambridge Tab: São altruísmo efetivo e combate à pobreza mundial suas perspectivas menos contestáveis?
Peter Singer: Muitas pessoas contestam minhas posições sobre bioética e o valor da vida com base em visões religiosas. Ao mesmo tempo, existem cristãos que levam muito a sério o que atribuem como dito por Jesus disse, que devemos ir muito longe no trabalho de ajudarmos os necessitados. Para eles, o altruísmo efetivo é a menos contestável das minhas posições. Para outros – e estou pensando nos seguidores de Ayn Rand – que pensam que todos devem apenas ganhar dinheiro, que o egoísmo é bom, que o mercado os recompensa por darem aos seus clientes o que precisam, o altruísmo efetivo é controverso.
Creio que este tipo de raciocínio contamina tanto a motivação – e acho que estão confusos sobre isso – e o direito de manter o que você ganhou. Não estou dizendo que não há direito sobre propriedade. Pode ser que haja este direito, mas, se quisermos que seja ético, é preciso compartilhar muito do que ganhamos.
Cambridge Tab: sem os mandamentos religiosos ou um imperativo categórico, existe ousadia suficiente para as pessoas seguirem a ética utilitarista?
Peter Singer: Uma coisa interessante do movimento pelo altruísmo efetivo é como as pessoas religiosas ou não concordam em seus objetivos. Com base nas evidências até aqui, eu diria que sim, muitas pessoas são suficientemente motivadas por saberem a diferença que podem gerar sem uma religião que as embase. Não sei se algum dia concluiremos outra coisa. Acho que o movimento segue crescendo, mas, em algum momento, começará a se acomodar, porque ainda existem muitos que não são motivados pelo impacto que causam. No mais, não quero ligar altruísmo e utilitarismo.
Peter Singer
Filósofo