Postado em ago. de 2016
História | Literatura | Cultura
Robert Darnton responde: caminhamos rumo à biblioteca digital global
Conferencista do Fronteiras Porto Alegre, o historiador responde pergunta enviada por nosso público digital sobre o caminho para a democratização do conhecimento em escala global.
Robert Darnton subiu ao palco do Fronteiras do Pensamento Porto Alegre 2016 para conferência homônima à sua mais recente obra, Censores em ação: como os Estados influenciaram a literatura. O norte-americano esteve na primeira edição do Fronteiras, em 2007, para abordar a importância dos pensadores iluministas nos dias de hoje. Desta vez, o historiador analisou três momentos da história em que a censura mudou a literatura.
Mas, não só das lições do passado tratou a conferência: ao final de sua fala, Darnton alertou para a banalização atual do conceito de censura e afirmou que a censura ocorre em sociedades nas quais o poder está restrito a um monopólio, chamando a atenção para o fato de grandes corporações terem grande controle da informação. “Precisamos entender a censura, não apenas condená-la. Mas também é preciso assumir posições, especialmente quando o Estado, com o Google e o Facebook, nos observam a cada passo que damos", concluiu o conferencista.
Após sua fala, o conferencista respondeu as perguntas do público. Dentre elas, a Pergunta Braskem, enviada pelos seguidores do Fronteiras através do e-mail digital@fronteiras.com. A resposta de Robert Darnton rendeu, ao convidado, aplausos de pé. Confira abaixo:
Sendo o senhor alguém engajado no processo de democratização dos livros e da informação neles contida, como é possível garantir que limitações de natureza econômica e social, neste tempo de internet, possam ser eliminadas como barreiras ao acesso ao livro? Como é possível garantir um acesso mais amplo? A internet é nossa única ferramenta? Este é nosso único caminho?
Robert Darnton: A nova tecnologia traz a possibilidade de democratizar o acesso aos livros -- isso é uma possibilidade. Não é um fato ainda. Quando me tornei diretor da biblioteca de Harvard, a minha meta principal era abrir a biblioteca, porque é a maior biblioteca universitária do mundo. Tem 20 milhões de volumes, porque foi construída, desde 1638, comprando livros geração após geração. E isso era fechado ao mundo. Somente a elite de professores e a elite dos alunos poderiam usá-la.
Bom, os fundadores da república americana incluíram, na Constituição, o princípio de acesso livre ao conhecimento através da lei de direitos autorais, é a primeira cláusula da nossa Constituição. Isso mostrava que o conceito de uma república, envolvia o acesso à palavra impressa. Mas, em 1787, quando a nossa Constituição foi escrita, a maioria das pessoas era analfabeta. Aqueles que sabiam ler não tinham dinheiro para comprar livros. Foi um tipo de uma visão utópica, de pessoas como Thomas Jefferson, que tinha conversas com Condorcet, em Paris, na época da Revolução Francesa. Eles acreditavam que a imprensa era o poder na história, mas um poder restrito a uma elite, como a biblioteca de Harvard.
Agora, nós temos a internet. A internet que eu acredito torna possível democratizar o acesso à aprendizagem de uma maneira que jamais foi sonhada nos dias de Jefferson. Nós criamos um programa, em Harvard, com outras bibliotecas, para disponibilizar todos os nossos recursos digitalizados e combinar tudo em um sistema. Nós o chamamos de Biblioteca Pública Digital da América (DPLA).
A DPLA foi lançada há três anos, começou em uma conferência em Harvard, quando nós convidamos chefes de fundações, de bibliotecas e cientistas de informática para ver se eles conseguiriam fazer isso, criar um novo tipo de biblioteca. A história é muito longa, mas, em essência, nós conseguimos abrir a DPLA e, hoje, em mais de 500 idiomas, temos 13 milhões de volumes, crescendo a cada dia, envolvendo mais de duas mil instituições que dão coleções digitalizadas e eu acho sim, que isso democratiza o acesso ao conhecimento. Então, aqui no Brasil, quem quiser consultar o site http://dp.la e ler qualquer coisa em português, vocês estão convidados.
Acho que, daqui 10 anos, teremos uma biblioteca digital mundial. E todas as coletâneas de todas as bibliotecas estarão disponibilizadas para todos os seres humanos. Parece uma utopia, mas acho que isso vai acontecer.
Robert Darnton
Historiador cultural norte-americano