Sandel e a filosofia de todos os dias

Se cada cidadão fosse um filósofo, teríamos uma saída para a polarização política que tomou conta do planeta nos últimos anos. A provocação de Michael Sandel anunciava a tônica da conferência desse filósofo e professor de Harvard na temporada 2023 do Fronteiras do Pensamento, em São Paulo.

No auditório da Universidade Presbiteriana Mackenzie, na noite de 7 de agosto, o professor ministrou uma aula fascinante no melhor estilo socrático, dialogando com a plateia que permaneceu no auditório após o fim da conferência, à espera de um autógrafo no livro O descontentamento da democracia, lançado nessa semana no Brasil.

Trata-se de uma reedição da obra originalmente publicada em 1996, atualizada pelo autor a luz dos governos Clinton-Bush-Obama, até a presidência de Donald Trump e a pandemia do Covid-19. 

Sandel procurou conduzir o público para o entendimento sobre o processo de deterioração do diálogo na sociedade contemporânea. Entre as causas apontadas está o que ele chama do esvaziamento do discurso político, de um modo geral, da esquerda à direita.

Segundo o professor, os políticos e as elites perderam o diálogo com o cidadão comum. Como resultado, o espaço dialético e da divergência cordial e necessária, foi tomado por discursos ora tecnocráticos, ora apaixonados, mas sempre vazios.

Mais uma vez, o filósofo colocou em xeque consensos como a globalização como fato inevitável e a meritocracia, como crença liberal. Segundo esse pensador, essas duas ideias, vendidas como soluções para o mundo só aprofundaram as desigualdades e adiaram a mobilidade social.

“O sonho americano agora mora em Copenhagem”, ironiza o professor, demonstrando que, em países que recusaram as teses do consenso liberal, a mobilidade de classes sociais aconteceu de forma muito mais efetiva do que nos EUA e no Brasil.

Na mediação, o curador Fernando Schüler provocou o conferencista citando teóricos contemporâneos que, de algum modo, apresentavam conceitos diversos daqueles defendidos por Sandel. Este, por sua vez, se manteve firme na sua linha, travando com o interlocutor um diálogo dos mais brilhantes dessa edição.

Michael Sandel apontou como saída para os impasses que são a base da sua produção intelectual soluções aparentemente simples, como a criação de espaços para o diálogo entre as pessoas, sem a mediação das mídias sociais. “Todas as pessoas devem ter o direito de olhar nos olhos de Bill Gates como um cidadão comum”, defendeu o filósofo.

A noite com Sandel deixa claro as razões pelas quais esse professor é hoje um farol na discussão sobre os grandes temas da atualidade.