Siddhartha Mukherjee responde: como trataremos o câncer no futuro?

Postado em set. de 2018

Ciência | Medicina

Siddhartha Mukherjee responde: como trataremos o câncer no futuro?

Prevenção, tratamento, cura do câncer. Modificação genética - riscos e possibilidades. Os temas mais urgentes e polêmicos da medicina do futuro são respondidos pelo oncologista indiano.


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Siddhartha Mukherjee foi o conferencista do Fronteiras do Pensamento Porto Alegre desta segunda-feira (03), no Salão de Atos da UFRGS. O médico e escritor indiano será o convidado do Fronteiras São Paulo desta quarta-feira (05). Os ingressos estão esgotados.

Em sua fala, o oncologista destacou a importância de aproximar a sociedade do conhecimento científico e de incluir as pessoas nesse universo – desde a pesquisa clínica até a divulgação sobre novas terapias para o tratamento da doença.

“Se escondermos esse novo mundo da ciência que estamos criando (ou tentando criar), isso vai provocar problemas maiores. Temos que levar essas descobertas e possibilidades para as pessoas que vão vivenciá-las”, declarou.

Para o escritor, a cura do câncer ainda está longe da realidade. Porém, conforme as pessoas conhecem a doença e entendem como devem encará-la, enfrentar o câncer de uma forma mais esperançosa passa a ser possível.

As três etapas do combate ao câncer

O oncologista sustentou que a eficácia do tratamento está embasada em 3 etapas:

- prevenção e mudança de comportamento, a partir da detecção dos estados carcinogênicos;

- detecção precoce para identificar as pessoas que têm alto risco genético de desenvolverem a doença, com o uso de novas tecnologias;

- tratamento inovador que usa o próprio corpo do paciente, sua informação genética e seu sistema imune para atacar as células cancerígenas e impedirem seu crescimento.

Após sua fala, Siddhartha Mukherjee respondeu perguntas do público. Dentre elas, estava a Pergunta Braskem, enviada pelos seguidores do Fronteiras do Pensamento nas mídias digitais. Confira esta e outras respostas:

Temos duas pessoas: uma já diagnosticada com câncer e uma com amplo histórico de câncer na família. O que a ciência já comprova e o que a ciência tem se encaminhado para comprovar que estas duas pessoas podem fazer para colaborar no tratamento e na prevenção da doença?

Siddhartha Mukherjee: O principal, quando se trata de câncer em adultos, é ser parte de estudos clínicos. Nós aprendemos aprendendo. Não há outra forma de aprender.

Vocês têm que entender que todos os avanços que nós tivemos no câncer, foi porque os pacientes colocaram suas vidas à disposição da ciência.

Encorajo todo mundo a participar de pesquisas e isso pode ser feito no mundo inteiro, em países ricos ou pobres.

Se você já teve câncer, o que podemos falar sobre câncer no futuro? Bom, depende muito do tipo de câncer. Antigamente, nós teríamos formas gerais de vigilância.

Agora, nós começamos a usar ferramentas genéticas, mas ainda não é muito comum. É experimental. Estamos usando essas ferramentas para detectar câncer em pacientes que já tiveram câncer.

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O senhor tem pacientes e é um cientista que publica regularmente. Qual foi a sua motivação para escrever esses livros tão importantes, que são livros voltados para um público leigo?

Siddhartha Mukherjee: Acho que a razão principal para escrever os livros foi trazer as pessoas para este universo. É um universo de muitas consequências, e consequências importantes para todos nós.

Se escondermos esse novo mundo da ciência que estamos criando (ou tentando criar), isso vai provocar problemas maiores. Temos que levar essas descobertas e possibilidades para as pessoas que vão vivenciá-las.

O mundo não é dividido em cientistas e não-cientistas. O fato de eu ser um ser humano é o que faz com que essa ciência venha à vida: e vocês têm que ser parte disso.

Como cientista e como médico, posso dar a vocês a informação técnica, posso dar dados e informações sobre o meu trabalho, mas as decisões sobre o meu trabalho têm a ver com os seres humanos.

Portanto, as pessoas têm que saber onde estamos, para onde vamos e porque temos que chegar lá. Se você não souber agora, isso vai acabar chegando até você.

Sendo uma doença genética, com tantas variáveis, como podemos prever o futuro do tratamento do câncer – que muitas vezes não é apenas uma mutação, mas a interação de tantos outros genes que vão determinar um determinado tipo câncer? Você pode nos explicar um pouquinho sobre esse futuro?

Siddhartha Mukherjee: Para mim, o futuro é como uma pirâmide invertida. A parte de cima da pirâmide é a prevenção. Eu falo sobre prevenção de câncer num contexto mais amplo, que significa identificar novos carcinogênicos e mudar o comportamento de exposição a esses carcinogênicos.

Nós estamos gastando milhões de dólares na forma mais eficaz de prevenir o câncer, relacionada ao tabagismo, que tem a ver com mudança de comportamento.

É um fato incrível que hoje estejamos falando sobre a frustração no tratamento do câncer, quando a mudança no comportamento humano é tão óbvia para prevenir a doença (neste caso do câncer de pulmão).

O terceiro item que falei hoje, que é novo para nós, é identificar estados carcinogênicos para que eu possa identificar se você tem mais riscos de ter câncer no futuro. A partir daí, posso lhe investigar com mais frequência. Esse é o progresso. Essa é a parte de cima da pirâmide.

O segundo nível da pirâmide é a detecção precoce. Eu falei sobre isso também, usando novas tecnologias para identificar aqueles que têm risco genético.

Você pode encontrar mulheres aqui nessa plateia, quem sabe 5% da plateia, que podem ter 4 vezes mais chances de ter câncer de mama e nem sabem disso.

Podemos identificar essas mulheres e usar mecanismos diferentes nelas para encontrar a doença precocemente ou usar biópsia em meio líquido ou outras tecnologias para detectar câncer o mais cedo possível. O grande risco é o diagnóstico errado e o alto custo.

O último nível é a pirâmide mais estreita. Você pode usar informação genética no câncer individual para encontrar tratamentos direcionados. Também, para trancar o material genético que está funcionando de forma errada e usar o sistema imune para atacar as células cancerígenas.

Você estaria mudando o ambiente, estaria mudando a fisiologia das células de tal forma, que a célula cancerígena não poderia mais crescer. Tudo isso é parte das novas dimensões de tratamento.

Na semana passada, você publicou um estudo na Nature, que é um periódico científico muito prestigiado. Seu estudo falava sobre o efeito da dieta na eficácia dos tratamentos anticâncer. O quanto a alimentação pode influenciar ou inibir o surgimento do câncer?

Siddhartha Mukherjee: Isso é o que nós temos feito por 10 anos: dieta e câncer.

É uma ideia muito simples. Eu fiz uma cirurgia há 10 anos e, depois da cirurgia, fui ao cirurgião e ele me deu uma lista enorme de medicamentos.

Perguntei a ele qual dieta eu deveria seguir e ele me respondeu: eu não sei. Coma o que quiser.

Algum tempo depois, eu tive uma paciente de câncer que me perguntou qual medicamento ela deveria tomar. Então, eu também sugeri uma lista de medicamentos para a quimioterapia.

Ela me perguntou qual dieta deveria seguir. Eu respondi o mesmo que o cirurgião: não tenho a menor ideia.

Fui para casa e me perguntei: qual é a diferença entre ciclofosfamida (quimioterapia) e o carboidrato que comemos?

Por que o carboidrato seria diferente? Ambas as moléculas entram no corpo e afetam o metabolismo celular. Uma molécula é um inibidor poderoso do crescimento, outra talvez não, mas como podemos saber se um não está afetando o outro?

Falando de uma forma básica, por que a dieta não é um medicamento? Então, nós começamos um estudo para responder esta pergunta.

Você pode mudar a dieta e, assim, mudar a sua suscetibilidade ou a sua resistência à quimioterapia. Esse é um novo universo, um novo cosmos.

Nós estamos entendendo que a dieta pode afetar o tratamento contra o câncer de forma muito profunda.

Há quatro trabalhos na Nature, um seguido do outro, todos dizendo que não é simples como não dar açúcar para o câncer. É muito mais complicado do que isso.

O câncer não utiliza só açúcar, ele usa alguns componentes muito particulares para resistir a algumas quimioterapias.

Se você combina o medicamento correto com a dieta correta, o câncer fica sensível à dieta. Em nosso estudo, o câncer não fez nada sozinho. Foi a combinação da dieta e do tratamento. Por favor, não vão para casa e digam: o câncer aumenta em função do açúcar. Não é isso.

O que vocês podem dizer é que há estados metabólicos que o câncer pode usar para se tornar resistente à quimioterapia.

Nós faremos os primeiros estudos em seres humanos, agora em outubro, combinando quimioterapia com dieta em pacientes com câncer de mama. Este vai ser o primeiro estudo com 24 pacientes.

Um escritor local, David Coimbra, escreveu um livro recentemente, Eu venci o câncer agora. Ele teve um câncer de rim com múltiplas metástases e ele tem uma frase que diz o seguinte: “Todo paciente com câncer tem medo do futuro”. Você concorda com essa afirmação?

Siddhartha Mukherjee: Os pacientes com câncer têm medo do futuro, porque não sabemos qual é o futuro deles.

A estatística pode ser bem mórbida. Eu digo aos meus pacientes que todo câncer é individual, então a resposta é individual.

As minhas conversas são assim: eu posso lhes dizer as estatísticas do seu câncer em particular e dizer que a chance de você morrer em três semanas é mínima, a chance de morrer em oito semanas é substancial e a chance de viver duzentas semanas é muito baixa.

Eu também digo às minhas pacientes que eu não posso evitar a morte, mas eu posso prevenir parte do processo da morte. A coisa assustadora é morrer.

Morte e morrer não é a mesma coisa. Um é um estado e outro é um processo. Eu posso eliminar a maior parte da dor física, mas não consigo remover a dor espiritual.

Não há medicamento capaz de remover a dor espiritual. O único antídoto que conhecemos para a dor espiritual é um preenchimento interior.

Então, eu pergunto a eles quais são os objetivos que podem ser preenchidos nas próximas semanas e eu vou tentar preenchê-los.

Se você me disser que quer ir para Marte, não tenho o que fazer. Mas, se você disser que gostaria que agradecer uma pessoa que ainda não agradeceu, que gostaria de perdoar alguém que ainda não perdoou ou que gostaria de ser perdoado por alguma coisa que fez para alguém, eu posso lhe ajudar e tenho amigos que talvez possam lhe ajudar também.

A terceira coisa que eu digo é que toda a semana eu vou poder dizer mais alguma coisa sobre a semana seguinte. Não é uma resposta satisfatória, mas é uma resposta verdadeira.

Toda semana que você viver, vai lhe dizer mais sobre a próxima semana e eu vou estar ali com você.

Essas são as três mensagens que eu posso passar. Não posso prever o futuro. Semana passada três pacientes morreram. É a realidade. Você não se torna oncologista se você quer enfiar a cabeça na areia e dizer que ninguém vai morrer.

No Brasil, nos últimos 15 anos, houve um aumento de aproximadamente 30% nos casos de câncer. Dentro desse ambiente carcinogênico que nós vivemos, as medidas preventivas são de extrema importância. Como promover uma medicina preventiva de qualidade e acessível a todos?

Siddhartha Mukherjee: Primeiramente, é importante saber que muito desse aumento nos casos de câncer em países em desenvolvimento, como o Brasil e a Índia, são conduzidos por envelhecimento.

De certa forma, o aumento na incidência de câncer é uma consequência do aumento da longevidade e do sucesso na eliminação de outras doenças, principalmente as infecciosas.

Mas essa não é a única resposta. Também é verdade que, conforme as populações envelhecem nesses países, nós temos visto comportamentos que aumentam o problema, como o tabagismo.

As vacinas também têm funcionado muito bem para diminuir a incidência de alguns tipos de câncer.

A vacina contra HPV é muito comum nesses países. O papiloma vírus causa câncer de colo de útero, de cabeça e de pescoço, e é um tipo de câncer devastador.

A terceira fase é uma nova fronteira: identificar estados no corpo que são mais carcinogênicos.

Usar ferramentas disponíveis para identificar esses estados e encontrar pessoas que têm maior risco. Tudo isso que eu citei vai resolver de forma fácil os nossos problemas? É claro que não. O que nós podemos fazer é pensar em prevenção.

Em O Gene, o senhor comenta sobre a terapia gênica, afirmando que ela poderia nos tornar humanos com menos falhas gênicas. A terapia gênica já é possível ou será possível em um futuro próximo em seres humanos? Não há algo de perigo ou de antinatural na terapia gênica?

Siddhartha Mukherjee: O que é natural? Para responder essa pergunta temos que dividir a terapia gênica em três partes. Todo mundo tem que conhecer esse vocabulário, porque, se vocês não conhecerem esse vocabulário, ele não vai chegar até vocês.

A primeira arena é a da terapia gênica e alteração genética em mosquitos, peixes, grãos modificados ou não.

O principal perigo para esse tipo de terapia é o risco de desastre ecológico. Eu vou dar um exemplo: alguns cientistas estão fazendo cepas de mosquitos que não podem carregar vírus como o Zika. Quando se acasalam com mosquitos selvagens, o selvagem se torna estéril.

Assim, só teremos cepas seguras. Algumas pessoas têm medo, mas, para doenças como a malária, seria uma conquista fantástica. A eliminação da malária seria um marco fundamental na história dos seres humanos e eu não quero minimizar isso.

O perigo da manipulação genética é ainda desconhecido. Neste caso dos mosquitos, pode ser que, eliminando os mosquitos selvagens, todas as borboletas desapareçam, por exemplo.

A segunda arena da manipulação genética é em células humanas.

Isso não afeta os ovos, pois seria apenas em células do sangue, cérebro, pele, fígado e em todas as células, com exceção das reprodutivas. Esta é a terapia gênica somática e já estamos fazendo isso em seres humanos. A principal preocupação nesse caso é um desastre biológico, ou seja, causar câncer.

O terceiro tipo é o mais complicado: fazer mudanças nos óvulos e nos espermatozoides.

A diferença é que nesse caso, se você faz a mudança nos genes, o ser humano nasce com aquilo e todos os seres humanos que vierem a partir daquele espermatozoide nascerão com aquilo também.

Estamos falando de uma mudança permanente no genoma humano, que vai ser transmitida de geração em geração. Essa terceira categoria é chamada de terapia gênica das células germinativas.

Há leis nacionais e internacionais que dizem que não devemos fazer terapia gênica em células germinativas a menos que queremos mudar uma doença de muito sofrimento.

Mas, quem define muito sofrimento? Cientistas? Você?

Em função da sua permanência, a terapia gênica em células germinativas é a de maior desafio ético e técnico. Em O Gene, a minha previsão é de que nós vamos ver a primeira terapia gênica de células germinativas manipulando o corpo humano. Seremos a primeira geração a ver nascer o primeiro ser geneticamente modificado ou transgênico.

Falando em manipulação terapêutica em células germinativas não estamos reeditando a eugenia?

Siddhartha Mukherjee: A eugenia tem sido parte da existência humana desde sempre em duas faces.

Não apenas na Alemanha, mas nos Estados Unidos e em outros países, assistimos à modificação de seres humanos por propósitos “melhores”, com o objetivo de tornar o ser humano “melhor”.

O problema é que nós ainda estamos lutando como espécie humana para delimitar o que é um ser humano melhor.

Quem define o ser humano melhor? Algum político nazista na Alemanha? Algum burocrata nos Estados Unidos? Você? Eu? Que tipo de autoridade nós temos para definir o que é um ser humano melhor?

O impulso para fazer seres humanos melhores é um impulso muito antigo. É um impulso benigno.

Quem não quer crianças melhores? Quem não quer que a próxima geração tenha mais sucesso sem doenças?

O problema é que nós não sabemos o que é a doença. Cada vez que tentamos definir o que é a doença, alguém que está do outro lado da linha diz: só um pouquinho, como você me define como deficiente?

Este é um estudo crucial: o que é o ser humano? O que é o ser humano melhor? Quem vai escolher a melhor noção de nós próprios?

Eu não sei as respostas, mas sei que a luta vai continuar e que, nos próximos 10 anos, nós vamos encontrar essa pergunta com dez vezes mais força do que hoje, porque cada vez teremos mais tecnologia para fazer esse tipo de pergunta.

Quais são seus próximos livros em andamento?

Siddhartha Mukherjee: Estou escrevendo dois livros que serão parte de um quarteto. O próximo será sobre a história da biologia celular e como partimos dessa primeira definição de célula para entender as doenças.

O último livro em que estou trabalhando é o mais controverso: vou escrever uma história da imortalidade nos seres humanos.

 

Siddhartha mukherjee

Clique aqui para baixar gratuitamente o libreto especial sobre o trabalho de Siddhartha Mukherjee, próximo conferencista do Fronteiras do Pensamento. O libreto inclui breve biografia, links indicados e informações de destaque sobre o médico indiano, ganhador do Pulitzer por seu livro O imperador de todos os males: uma biografia do câncer.

 

 

 

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Siddhartha Mukherjee

Siddhartha Mukherjee

Médico oncologista e escritor

Médico indiano, ganhador do Pulitzer por O imperador de todos os males: uma biografia do câncer.
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