Vamos prevenir, tratar, mas não eliminaremos o câncer, diz Siddhartha Mukherjee

Postado em nov. de 2018

Ciência | Medicina

Vamos prevenir, tratar, mas não eliminaremos o câncer, diz Siddhartha Mukherjee

Para médico e escritor indiano, terapias genéticas avançaram, mas ainda há muitas limitações e dilemas éticos envolvidos.


Compartilhe:


Se por um lado as novas técnicas genéticas permitem a detecção do câncer cada vez mais cedo, por outro levam à descoberta de alterações que não causam danos, mas que vão gerar intervenções custosas e que provocam sofrimento às pessoas.

É o que diz o médico e escritor Siddhartha Mukherjee, ganhador do prêmio Pulitzer em 2011 pelo livro O Imperador de Todos os Males: Uma biografia do câncer.

Mukherjee, que esteve no Fronteiras do Pensamento 2018, diz que a melhor forma de mitigar o gargalo causado pelo alto custo das terapias oncológicas é investir na prevenção do câncer, combatendo fatores de risco como o tabagismo e a obesidade.

Segundo o oncologista, o tratamento personalizado do câncer baseado em testes genéticos é um grande avanço, mas tem limitações.

Ele também não acha possível a humanidade se livrar da doença. "É parte do nosso aparato celular. Podemos prevenir alguns tipos, tratar as manifestações, mas não conseguiremos eliminar o câncer da nossa história."

Siga nossa página para ficar atento ao lançamento da edição 2019 do Fronteiras do Pensamento.


Em sua obra mais recente, O Gene: Uma história íntima, de 2016, Mukherjee combina ciência e relatos da sua história familiar com doenças mentais para mostrar como a genética influencia nossas vidas, personalidades, identidades, destinos e escolhas.

Em entrevista à Folha de S.Paulo, o oncologista terapias genéticas avançaram, mas ainda há muitas limitações e dilemas éticos: "Nós só estamos começando a entender nossa própria biologia."

Na obra, o autor pondera sobre como interferir na intricada ecologia do genoma, em embriões ou em adultos, pode produzir resultados indesejáveis.

“A doença poderia desaparecer cada vez mais, mas isso também aconteceria com a identidade. O pesar poderia ser diminuído, mas também diminuiria a ternura. Traumas poderiam ser apagados, mas também poderia ser apagada a história”, lê-se no epílogo de O Gene.

Confira abaixo o que Siddhartha Mukherjee tem a dizer sobre este delicado tema. Mas, antes, assista ao vídeo com o autor no Fronteiras do Pensamento 2018.


Faz oito anos que o senhor lançou O Imperador de Todos os Males: Uma biografia do câncer. O que mudou desde então?

Siddhartha Mukherjee:
Muita coisa. Estou atualizando esse meu primeiro livro e devo relançá-lo em 2020. Em primeiro lugar, estamos aprendendo a tratar o câncer de diferentes maneiras, por exemplo, com a imunoterapia.  

Estamos detectando o câncer cada vez mais cedo, usando técnicas genéticas avançadas, como buscar o DNA da célula tumoral no sangue [técnica também conhecida como biopsia líquida].

Estamos encontrando novos caminhos para prevenir o câncer por meio da identificação de novos fatores de risco, incluindo inflamações e obesidade. 

Mas é importante ressaltar que, ao mesmo tempo que isso pode salvar vidas, também pode fazer com que muitos cânceres que não vão causar danos ao paciente [que são muito pouco agressivos ou que serão eliminados pelo próprio organismo] sejam encontrados incidentalmente.  

É o que chamamos de overdiagnosis [excesso de diagnóstico]. A imunoterapia tem sido bastante promissora, especialmente em cânceres do sangue, mas tem altos custos.  

Em relação à prevenção do câncer, nós podemos identificar a carcinogênese [processo de formação do câncer] a partir da inflamação causada pela obesidade, mas ainda não sabemos se mudando hábitos alimentares ou mesmo os genes iremos diminuir o risco de câncer ou a incidência dele no mundo.  

De um lado, nós estamos explorando novas fronteiras, em prevenção, detecção e tratamento, mas há uma questão central ainda não solucionada. Modificando hábitos ou alterando genes poderemos prevenir todos os cânceres?  

Sobre a imunoterapia, ela parece ser promissora, mas ainda tem muitos limites, não?  

Exatamente. Há muitas questões ainda não solucionadas em relação à imunoterapia. Por que ela funciona para alguns tipos de câncer e não para outros? O que deve ser mudado ou atacado no sistema autoimune para que haja melhores respostas? É possível que teremos que esperar uma década ou mais para responder essas perguntas.  

Volto à questão dos custos. Essas novas terapias oncológicas têm custos impraticáveis, inacessíveis para a maior parte das pessoas. Como mitigar esse imenso gargalo?  

A melhor forma de mitigar custos em tratamento de câncer é investir na prevenção, e não no tratamento.  

Precisamos mais e mais saber quais aspectos ou comportamentos da natureza humana ou do meio ambiente são relevantes para o desenvolvimento do câncer e intervir aí. Porque quando o câncer já está instalado, os tratamentos serão longos e caros. São milhares de dólares, o que os tornam inacessíveis. Encontrar formas de diminuir o custo da medicina é hoje uma discussão mundial.  

Diante desse contexto, qual a real viabilidade dos tratamentos oncológicos personalizados?  

Em certos aspectos, todos os tratamentos que desenvolvemos são personalizados. Nós tentamos entender a biologia do indivíduo que tem câncer, incluindo a genética para saber como irá responder a uma determinada terapia, tratamento.  

O câncer de mama é um ótimo exemplo. Podemos decidir entre um tratamento ou outro baseado no resultado positivo ou negativo do teste genético.  

Hoje podemos decidir se vamos indicar ou não quimioterapia para mulheres com determinados tumores iniciais de mama. O impacto disso é que centenas de milhares de mulheres poderão ser poupadas de um tratamento agressivo e caro.  

Essas análises genéticas vão nos dizer, a partir de diretrizes muito bem definidas, quais cânceres devem ou não ser tratados e qual a melhor terapia para aquele caso. Mas ainda não é uma solução para a maioria dos cânceres.  

É muito comum as pessoas associarem estresse e tristeza ao aparecimento de câncer. Ou pensar que uma atitude positiva pode curá-lo. Há alguma verdade nisso?  

Uma resposta rápida e direta é não. Câncer é uma doença fundamentalmente genética. Em uma resposta mais longa, eu diria que estresse é uma palavra coloquial que precisa ser usada com cuidado. Sabemos que certos tipos de estresse fisiológico podem aumentar o risco de câncer.  

Por exemplo, a obesidade pode ser descrita como um estresse fisiológico. Certos hormônios são mudados, o metabolismo é mudado. Inflamações também são descritas como um estresse fisiológico.  

Mas a relação entre essas situações e o estresse usado na linguagem coloquial não é clara. Há muitas pessoas estressadas no sentido coloquial da palavras que não apresentam aumento da inflamação celular e outras que não estão estressadas mas que têm inflamação dentro do organismo.  

Por isso é preciso ter muito cuidado ao falar que estresse ou pensamentos negativos podem causar câncer.  

Siddhartha mukherjee

Clique aqui para baixar gratuitamente o libreto sobre Siddhartha Mukherjee.

Ainda assim, as pessoas continuam buscando soluções mágicas para tratar o câncer, como pílulas e ervas. Por quê?  

Acreditar em soluções mágicas faz parte da natureza humana. Elas são buscadas há centenas de anos, mas ainda não foram encontradas.  

Prevenção do câncer é um campo complexo. Partir do pressuposto que a origem do câncer tem uma única fonte é um completo absurdo.  

O senhor acredita que o seu trabalho tenha afetado a maneira de encarar a vida e a morte?  

Acho que sim. Tenho pensado muito sobre isso, especialmente após perder meu pai há dois anos. Nós, indianos, não temos medo de morte.  

Tenho medo da dor, não da morte. A morte realmente não me assusta se ela for precedida por cuidados paliativos, conforto. A morte solitária [em uma UTI, por exemplo] me assusta. O modo como as pessoas entendem a morte tem mudado muito.  

Estou preparando dois novos livros. Um deles é sobre a história da descoberta da célula, como isso foi isso mudando ao longo dos anos e o uso na medicina. O outro é sobre mortalidade, os meus sentimentos, impressões em relação à morte.  

No seu último livro, O gene, o senhor trata do estudo dos genes e da sua história familiar com doenças mentais. Foi difícil tocar nesses assuntos?  

Sim, muito difícil, mas foi preciso tocar nisso. Até escrever o livro, eu imaginava que não havia muita conexão entre uma coisa e outra, mas descobri que tem uma enorme relação.  

Essa história talvez tenha sido a razão principal pela qual me tornei médico. Não foi por acidente.  

É interessante pensar nas razões que me levaram a essa escolha. Muitas pessoas da minha família não queriam remexer nessas memórias, mas é importante ser honesto com elas.  

É por isso que no final do livro o senhor diz que influência dos genes nas nossas vidas é mais rica, profunda e incômoda do que imaginamos?  

Sim, claro. O livro traz algumas considerações. Uma delas é que as doenças não são guiadas por um único gene mas por centenas deles. Voltando ao câncer, com os testes genéticos, nós podemos prever o risco aumentado de uma mulher saudável desenvolver algumas formas de câncer de mama muito antes de o tumor aparecer. Isso não é baseado em um único gene, mas em centenas deles. Nós podemos dizer se determinada criança terá risco de desenvolver obesidade.  

É realmente um novo mundo. Nós só estamos começando a entender nossa própria biologia.  

 

Mas também não há o risco de se transformar doenças em instituições, em que a pessoa passa a ser monitorada constantemente e pensando o tempo todo na morte?  

Sim, é uma importante colocação. Estamos nos tornando 'previvors' [em câncer, o termo designa pessoas com predisposição a desenvolver a doença, mas que ainda não a tem].  

Se vamos ficar constantemente olhando nossas células em busca de futuras doenças, nos tornaremos muito ansiosos e preocupados com o impacto que isso poderá ter. Temos que ter muito cuidado porque o impacto disso na vida pública pode ser enorme.  

Se você pudesse nomear cinco recomendações para que as pessoas previnam o câncer, quais seriam?  

A primeira seria evitar os fatores de risco para o câncer. O tabagismo é o maior deles. Agora sabemos que o fumante passivo também corre riscos.  

A segunda seria vacinar as pessoas contra vírus que podem causar câncer, como o HPV. A terceira é prevenir a obesidade, que é fator de risco para muitos cânceres.  

A quarta e quinta seriam voltadas à detecção precoce com uso de diagnósticos genéticos e a biopsia líquida, mas são extremamente controversas como estamos ainda muito num estágio muito inicial.  

Você acredita que um dia vamos nos livrar do câncer?  

Não, não acredito. O câncer é fundamentalmente parte do nosso aparato celular. Há muitos genes, as células vão crescendo, se dividindo e podem aumentar o risco de câncer. Nós podemos prevenir alguns tipos, tratar as manifestações, mas não conseguiremos eliminar o câncer da nossa história.  

Aos 48, o senhor ainda é muito jovem em termos de carreira. Quais serão os próximos projetos?  

Tenho mais de uma carreira [risos]. Além dos dois livros que já mencionei [sobre as células e a morte], estamos trabalhando em importantes estudos científicos. Acabamos de concluir um que mostrou que a combinação de uma dieta específica com quimioterapia diminui o crescimento do tumor.  

É importante ressaltar que a dieta sozinha não trouxe nenhum efeito ao câncer estudado, mas a combinação com a quimio trouxe um efeito enorme. O meu laboratório também tem feito muitas pesquisas em terapias imunológicas.

ASSISTA À LIVE FRONTEIRAS | As pesquisas e a obra do médico oncologista e escritor Siddhatha Mukherjee são tema deste debate entre a jornalista a Cláudia Laitano, a geneticista Cristina Bonorino e a médica oncologista Alessandra Morelle.



Compartilhe:


Siddhartha Mukherjee

Siddhartha Mukherjee

Médico oncologista e escritor

Médico indiano, ganhador do Pulitzer por O imperador de todos os males: uma biografia do câncer.
Ver Bio completa