Postado em ago. de 2016
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Mary Robinson, uma prisioneira da esperança
Direitos humanos, mudança climática e justiça global: ex-presidente da Irlanda reflete sobre os grandes temas que norteiam sua trajetória profissional.
Em suas palestras, Mary Robinson conta que começou a se interessar cedo pela questão dos direitos humanos. Única filha em uma família católica, com dois irmãos mais velhos e dois mais novos, a mulher que se tornou a primeira presidente da Irlanda, em 1990, brinca que teve poucas alternativas a não ser aprender a defender sua própria integridade. Em 1997, assumiu o posto de alta comissária das Nações Unidas para Direitos Humanos, causa que a move. Hoje está à frente da Fundação Mary Robinson - Justiça Climática, voltada a pessoas em situações de risco, e é enviada especial da ONU para mudanças climáticas.
Mary Robinson, 72 anos, veio ao Brasil a convite do Fronteiras do Pensamento e do Centro Ruth Cardoso no fim de julho. Em entrevista ao Valor, discute as grandes questões que norteiam sua trajetória. Confira abaixo:
Por que as mudanças climáticas são uma questão de direitos humanos?
Mary Robinson: Porque estão corroendo uma série de direitos, particularmente os sociais. Direito à alimentação, à água. E também estão corroendo a saúde, tirando as pessoas de seus lugares. Existe uma grande injustiça nas mudanças climáticas porque afetam comunidades pobres e países pobres que não são responsáveis pelas emissões de gases.
Por que o maior impacto sobre as pessoas pobres não ganha evidência?
Mary Robinson: Acho que as pessoas não têm uma compreensão completa em relação a isso. E também não se sentem suficientemente responsáveis. Temos que trazer à luz a injustiça da mudança climática e torná-la mais visível.
Mas há ainda uma certa desconfiança em torno da questão climática...
Mary Robinson: De certa forma acho que vimos um tanto de confiança no ano passado, na forma como nos preparamos para o Acordo Climático de Paris. É muito significativo que 194 países tenham chegado a um acordo mais justo para o clima. É um sinal de que existe realmente uma preocupação compartilhada.
E o aspecto financeiro? Nem todos concordam em financiar as mudanças necessárias.
Mary Robinson: Precisamos ver as finanças climáticas como uma forma de deixar o mundo mais seguro para todos, fornecendo tecnologia e investimentos aos países em desenvolvimento para uma transição bem rápida para a energia renovável.
Como isso pode ocorrer em um momento de turbulências políticas e econômicas como o atual?
Mary Robinson: É um período difícil, mas tem ocorrido bons acordos, inclusive bilaterais. E também vemos alguns líderes empresariais bastante focados em assegurar que façamos a transição para uma economia verde. Acho que 2015 foi extraordinário em uma época em que as pessoas não confiam nos governos etc. Chegamos a importantes agendas globais. Agora, precisamos implementá-las.
Governos e líderes empresariais parecem muitas vezes mais interessados no aspecto econômico. Como incluir as pessoas nas soluções?
Mary Robinson: Foi por isso que criei minha fundação, que é voltada à justiça climática. Precisamos colocar as pessoas no centro de todas as ações relacionadas ao clima, ou iremos cometer erros. Por exemplo, em 2007, 2008, havia um grande movimento para transformar o milho em etanol nos Estados Unidos. Isso fez com que os preços de alimentos subissem e foi muito ruim para as comunidades pobres. Tenho ouvido cada vez mais sobre grandes projetos, grandes hidrelétricas, florestamento que tentam ser positivos para o clima, mas não são bons para os pequenos proprietários de terra, atropelam os direitos dos povos indígenas, das pessoas pobres. Isso não é aceitável.
Como a senhora vê os direitos humanos atualmente?
Mary Robinson: É difícil responder globalmente. Há uma preocupação com o que é descrito como o fechamento de espaço para ação da sociedade civil. Em outras palavras, é mais difícil para a sociedade civil ser influente.
A chamada guerra contra o terror tem feito até protestos legítimos serem caracterizados como terrorismo. E há uma grande movimento para proibir ou reduzir a ação das ONGs. Muitos países estão suspendendo o financiamento externo para as organizações não governamentais. E se não conseguem recursos do exterior é muito mais difícil para elas financiarem suas atividades que são responsabilizar os governos pela garantia de direitos humanos... É um grande problema, há muitos mais.
Quais seriam?
Mary Robinson: Estamos vendo um grande o crescimento da xenofobia, o crescimento da onda anti-imigração, até do racismo e do discurso de ódio. Estamos vendo o Brexit na Inglaterra e depois do Brexit veremos isso na Europa, porque os imigrantes e refugiados estão vindo para a Europa.
As mudanças climáticas podem gerar refugiados do clima...
Mary Robinson: Tenho certeza de que veremos o clima como fator de deslocamento das pessoas por que estão sofrendo com secas severas, inundações severas. Há estimativas de que em 2050 poderemos ter algo entre 50 milhões a 200 milhões de refugiados do clima. Nem podemos chamá-los de refugiados porque eles não têm esse status.
Como a senhora vê a atual situação?
Mary Robinson: Falamos sobre direitos humanos e sobre problemas do clima e isso pode ser deprimente. Esses problemas são muito sérios. Acredito que existem duas formas de olhar para isso. Um é ver o quanto isso é ruim e descrever o quanto isso é ruim.
E tudo fica muito negativo, não há energia, não há oxigênio para fazer nada. O outro é ver que a situação é difícil, mas que há pessoas corajosas lutando contra isso e que podemos tentar ajudá-los. Eu sempre pego emprestada uma expressão do meu amigo arcebispo Desmond Tutu.
Estivemos em um painel em Nova York, há alguns anos, com pessoas jovens, e ele fica muito entusiasmado quando está com jovens. Havia lá uma jornalista que, de forma até um pouco ríspida, perguntou a ele como se mantinha otimista.
E ele respondeu: "Minha cara, não sou um otimista, sou um prisioneiro da esperança". Isso foi profundamente importante para mim. Você precisa ter esperança, que é a energia para fazer mudanças.
Assista abaixo ao vídeo extraído da conferência de Mary Robinson no Fronteiras do Pensamento 2016
Mary Robinson
Diplomata